Um halo cinzento de luz
Espreita pela janela
Levantando timidamente a trave
Da minha gelosia
É o dia que chega, sem aviso
Timido, titubeante, inseguro
Ainda adormecido
Bêbado de uma noite
Feita de pássaros
Envolto por folhagem e escamas
Dos mais belos sonhos...
Enquanto...
uma chuva miuda se abate
Sobre a cidade em caudal de surpresa
Em rio, em desfolhada
E tudo germina em erecção
Arrastando do chão aos céus a vida.
O verão está estranho.
São "as climáticas" as rosas do vento
As apostas, as vácinas, a menina sofia
Criatura em flor como um beija madrugadas
A despertar-me para alvorada.
Rasgo o infinito que filtra
O meu estar alerta no mundo dos vivos
E um vento suave, frio e cortante
Alisa-me o rosto e despenteia-me
A figura de tropeção
Levando a minha alma, os meus braços
E a saudade, até ti.
Sou agora a luz, forte e segura.
O dia tem belezas de amantes.
Rabanadas de santos
Clarões no céu.
Uma azinheira e um castanheiro
Ambos perdidos, sós, solitários.
Uma barba mal tosquiada
A ilusão dos tempos antigos
A violação dos inocentes...
E este cheiro a estrume que se vacina
E onde nos afogamos esbracejando.
Sardinhas!
É o tempo delas. Tal como é o tempo
Das pandemias.
É o tempo de matar, nem que sejam
"apenas"
Saudades!
O tempo esmaga-nos com as suas pinças
A tenaz que se faz garra
E o carvalho que existia na berma daquela estrada
Secou.
Aqui se entorna o mar e se derrama a vida.
Aqui se fermenta e cresce toda a eternidade.
Não sou mais o verão que existia outrora
Nem a floresta de viços que o inverno sempre promete
Sou a luz que se extingue. A sombra que faz capa
Aos vindouros que estão em gestação.
No silêncio que a manhã me traz
Fico calado olhando a espuma das marés
O ar que se espalha feito vento
E os barcos que regressam da noite.
O sol peregrina ensaiando um começo
Reconheço-lhe a vontade e a ousadia.
As palmas dos gigantes abrem-se em copa
Como árvores Desfolhando o dia.
O silêncio é tudo.
Depois acontece!
Enquanto o mar floresce
Porque é primavera
E os pássaros voam (de volta aos ninhos)
E porque a luz se torna quente
E os corpos se distendem em iris
Em desejo e em chama
Os peixes rumam ao sul ou escalam rios
Fazendo a vida girar como cometa
E no silencio de um vento suão
Deus é o Diabo e o Diabo é Deus.
Maio é o mês que nos liberta
E nos restitui a vontade de viver.
A nossa terra, minha,
Dos meus pais, dos meus avós
E dos meus filhos e netos será.
Terra que guarda o primeiro choro
Do nascimento, o riso da alegria
O batismo, o casamento
E a vida dura de serras e sol
De frio e geadas... de trabalho
Para lapidar os socalcos, os cumes
As poças, as nascentes e o milho
As uvas também e a cabra trepadeira
E hoje de novo a paisagem
E o xisto que nos torna beirões
Ágeis como o açor e resistentes.
A nossa terra
Cujos cheiros são perfume
Na saudade de um regresso
Numa espera de um abraço
Numa vontade de futuro.
Eu quero ter um chão para amar!
A minha terra.
Todos os dias são véspera
Mas o hoje é infinito
Tem a luz da liberdade!
Com palavras e imagens se constroi
A vida e o futuro. O céu é feito de arte
E o belo a essência da vida.
Havia uma neblina na nossa paisagem,
Uma luz filtrada, uma morgana visão
Uma distorcida imagem do que somos
E quem somos. Afinal quem somos?
E a serra aqui tão perto e desconhecida
E modificada
E os nossos ancestrais ignorados
E a vida escorraçada
E o queixume das almas penadas
Em danças de exaltação à volta de uma harmónia
De uma fogueira e de uma arguardente.
Glória a quem preserva.
Dos faraós, aos nossos avós.
No Açor, como na Beira e da estrela serra
Agora e na hora de sempre.
Que a morte não nos apanhe distraidos
Na armadilha da demência.
Adulterar é ainda pior do que ignorar.
Sejamos verdadeiros
E quem não sabe, que se cale.
Esquecer, nunca!
Depois do frio, da neve, da geada
Depois dos agasalhos e dos dias nocturnos
Comecemos como se tudo estivesse a despontar,
A começar a irromper.
Porque tudo está prestes a renascer
Porque hoje é Primavera, porque hoje é véspera
Hoje é o amanhã que se reconstrói
E o todo depois que virá em luz
Em nitidez em harmonia e em verdade,
Depois da véspera: o dia.
Parabéns! O meu filho nasceu
No dia em que a liberdade se levantou,
Ergueu as asas e voou.
Tudo ficou para sempre diferente, melhor,
Foi de véspera que se preparou.
É a minha vez de recuar e deixar o mundo viver.
Hoje é véspera e despedida. Amanhã alvorada
Depois a estrada e mais longe, lá onde a vida fervilha
A tua luz e as memórias de sermos o mesmo,
(O universo onde tudo passa tão depressa,)
Que tu és, e eu já não sou.
Ambos desejando o que fomos, o que somos.
E tudo se enxameia e desaparece.
Recorda-me apenas com amor.
A ideia é angraçada. Poema da latinidade, mas eu não tenho nada!
Nem meu corpo já resiste, onde insistes em me encontrar, porque não estou aqui
Nem ao vento, nem ao luar. Morri!
Sou talvez um extra. Que se oferece como brinde, promoção e resto de stock
Para o cliente, sou um destralhar. Vês, como me ignoro, anda daí vem almoçar!
Seduzido, enganado, o meu amor dá-me a mão e segurando um copo de vinho
Festejamos o inverno, a primavera e o verão, e juntos connosco, outros virão.
Carlos Arinto
É nas coisas bonitas, como o mar,
Que morremos
É nas coisas que amamos, como tu
Princesa, que morremos!
E nas coisas deslumbrantes que existam
Como o sol, que morremos.
É na sombra de um luar, riscado de nuvens
Que morremos.
É nos amigos que nos abandonam
Que morremos.
É na ausência do teu corpo e do teu sorriso
Que morremos.
E todo o mundo fica diferente,
Sendo igual.
Incendeiam-se as tardes, que ainda são de inverno
E um nevoeiro cresce na silhueta das luzes frouxas dos candeeiros
Enquanto uma chuva, miudinha, espalha borra e cinza
Sobre as cabeças dos poucos que arriscam andar na rua.
Um éspelho de águas geladas mostra o rosto granitico
Que esculpido nos caboucos das fragas já lá estava
Ainda a ribeira e os poços não eram nascidos.
Sim, tu és muito anterior ao dilúvio à glaciação à natividade.
E agora que é verão, e que as águas voltaram a descer
O cabelo amadurece e as trelicias dos teus olhos azuis
São muxarabiês como velas de barcos a nevegar no Tejo da latinidade.
Amo-te, porque te vi nascer e na beleza do cristal te beijo.
A noite cobre o sagrado manto da nossa liberdade
E voando sobre os telhados de Lisboa adormecemos
Porque o nosso destino é estar no infinito.
Antes de serem rios
As águas já eram rostos...
O teu rosto!
Antes do teu rosto havia nuvens
E toda a terra estava em silêncio.
Depois as nuvens deixaram-se plainar
E formaram os rios, os lagos e os mares
Em cada espelho lá estava o teu rosto
Em todos os caudais a tua presença
E a natureza viu que era bom!
Um rio que sorri e se engrandece
Um rio que não pára quieto
Um rio que se transforma, transformando
Um rio que desagua em beleza e em sentimento
Um rio que é a tua cara
E se revela no infinito do antes
Para se tornar no infinito do depois.
Aqui não há barcos
A água escorre naturalmente
Das montanhas
E depois, desaparece em caudais
Ou em serpentina pelo chão.
Nas margens repousam fios de verdes
Castanho de folhas e musgo. Acácias,
Carqueja, carvalhos, camélias
E diospiros como luzes de natal.
Toda a montanha se esvai
E sossega por entre penedos e rochas
Que se erguem do chão
E se espalham por povoados
De gente, de bichos e de silêncio.
Há um sol luminoso fazendo espelho
Das águas, dos rios, das quedas
Na força bruta constante de fazer caminho.
Há um sol que acaricia toda a vida
E torna o frio, o gelo e a névoa
Parceiros dos que chegam, cumplices
Dos que estão.
O Inverno hiberna, é nos com ele
Sentamo-nos à fogueira para ouvir uma história.
Sabendo que hoje já nada é assim,
Mas insistimos, pode ser que pelo sonho
Nos tornemos mais jovens! Pode ser!
Embrulhados no frio. Revivemos!
Há sempre aberrações
São conversas,
Diálogos, troca de impressões.
Acredito que está a acontecer
Agora, que foi assim,
Que a atitude conta
Que o palheiro está cheio
E cheira a bosta,
A urze, a flores mortas
A pêlo de animais.
Dei a minha leitura ao escritor
E ele fez literatura e não livro,
De fantasma a anjo,
E depois tudo ficou xiqueiro
Porque era aí que me sentia bem
Não por temporadas
Mas para sempre!
Onde estão os novos?
Os autores e os outros!
A vida e a pigmentação
As horas e as saudades.
Não deixar morrer os autores
A literatura não são histórias.
É uma onda que vai subindo
Um crescendo em forma de lua
Uma batida contínua
Um arrepiar
Uma boca que se abre
Um grito
Um som de cascata a desabar
E na espuma que se asperge
Serpentinas de mil cores
Pétalas, rosas, flores,
Um batuque pauliteiro
Um fustigar
E quando todas as coisas se unem
Meu amor
Assim ficamos em festa
Em explosão, em fogo de artificios
Consumados.
Em êxtase.
Texto escrito após audição do tema "road house blues" dos Doors, cantado por Miley Sirus, com um grupo de músicos excelentes.
Alta noite
Acordo cheio de frio
Sonhando
O que já não sei contar
Em nenhum pormenor
Apenas me lembro
De pensar em ti.
Talvez, também,
Naquele mesmo instante
Tivesses acordado
E destapado o corpo
De cobertas e lençóis
Por causa do calor
E...
Tivesses pensado em mim.
Talvez!
Se dúvidas houvesse
O que faria? Nada!
Ficava na dúvida.
Há dúvidas que não são
Para serem esclarecidas.
São dúvidas de circunstãncia,
Dúvidas de amor,
Dúvidas que também podem ser
Dividas, ou divididas.
Na dúvida eu escrevo ao banco
E anulo tudo.
Na dúvida vou à igreja e pergunto
Deus, tu existes?
Na dúvida aguardo os meses da gestação
E aceito que se não fui eu,
Alguem foi!
A menos que seja natal e aí pode ter sido
Coisa e tal, embora já tudo tenha sido explicado
Que não foi assim.
Ainda não havia, algoritmos na época
E os mágicos não tinham televisão.
(aliás, eles só aparecem lá para janeiro)
Tenho dúvidas que acerte
Tenho dúvidas que aperte
Tenho dúvidas que ganhe
O jogo há-de continuar sempre
Até ao infinito.
Onde o vencedor persistente
Terá duvidas
E será morto pelos que têm certezas.
É uma duvida que eu tenho
Mas, pelo não e pelo sim,
Tenho a certeza de ter duvidas.
Preciso desabafar
Fazer confissão.
Olhar-me no espelho
E dizer que te amo.
Preciso de me encontrar
Encontrar-te
Procurando-te
Encontrar-me
Buscando-me.
Tudo acontece
No tempo certo
E ao ritmo do ciclo
Que não entendemos,
De que não somos
Sobreviventes.
Escrevo
Cristalizando
No mar que pangeia
A minha solidao
O eterno fumo
Do que sou
Ou fui
Na relação invisivel
Que nos une
E nos alimenta.
O amor é uma coisa louca
Que não existe
Há semelhança de outras
Coisas loucas
Que não existem
Mas que nos fazem... (a nós)... existir.
Os meus links