A cidade borbulhava, ali, em baixo.
Um formigueiro, uma leve bola de ar e aroma que sobe no ar e se desfaz em mil cores. Quase bola de sabão soprada por miúdos numa festa., num jardim ao ar livre.
A agitação do vai e do vem, era um mantra, uma oração de peregrinos sem destino.
A cidade refulgia de revérberos e tinha a serenidade de uma paz impossível, pois movia-se sem cessar. Ou melhor, parecia mover-se, pois sabe-se que as cidades não se movem.
Os edifícios estão lá, bem afundados no solo, procurando resistir a ventos, tempestades e até tremores de terra ou sismos, se os houver.
Casas, carros, pessoas, tudo tinha um ciclo de vida em sintonia.
Estes sim, agitavam-se como as folhas das árvores ou a cinzas de uma fogueira.
Abriam os restaurantes para limpar mesas e esplanadas, antes de servir a comida, depois as lojas de artesanato, depois as lembranças que cabiam numa bolsa de guardar objectos pessoais, depois ainda as discotecas e os bailes em recintos ao luar e ás luzes empolgantes.
Passeios cheios de casais, grupos de adolescentes, idosos vestidos como os nativos, estes escondidos em janelas com grades e cortinas de plástico sujo quase não podendo sair á rua sob ameaça de serem atropelados, pulverizados feios em cacos ou personagens decorativas.
De ficarem esmagados em fotografias de recordação.
Efervescência do chão, se o pudéssemos ver de longe, de cima. Aqui ao pé é só movimento e falta de local para estacionar. Não há espaço para andar pelas pedras dos passeios – opta-se pela rua, fazendo buzinar os carros – e atira-se com o lixo para o chão.
Embora a limpeza seja constante, os espaços públicos estão sujos. O trânsito é muito e até as pedras que alinhadas em socalcos fazem degraus se desgastam ganhando uma cova no exacto sitio onde os pés dos passantes raspam fincando-se para subir, cravando-se em escorrega antiderrapante, de solas de plástico ou borracha, para descer
Barulho, máquinas fotográficas, linguajares e revoadas de cantigas algarviadas pela bebedeira da cerveja ou do vinho, em cada esquina uma entorse do tempo a lembrar que tudo aquilo já foi um local pacifico e abandonado antes de estar na moda da transmutação.
Toda a balburdia faz mossa.
Em muitos locais encontram-se pessoas a correr, vestidas com roupa colorida que realça a forma do corpo, em pistas de manutenção física, azuis ou laranja, onde o pé assenta sem o perigo de magoar os ossos do aparelho locomotor, por desnível do chão.
Os espíritos ficam alegres e existe uma noção de prazer que só os clínicos poderão explicar com imagem digna de aceitação e acordo generalizado.
Os espíritos e os corpos bem como o comércio e os serviços, em azáfama de abelha a produzir mel.
Toda esta panóplia de ebulição tem um inconveniente, que não é defeito, antes se auto-alimenta e reproduz: tem de ser renovada rapidamente, sob pena de assentar no fundo e perder as características.
Por isso os barcos entram no porto, largam a sua carga por algumas horas, após as quais recolhem apressados os seus clientes (fazendo a contagem para que nenhum se perca) e voltam a partir para dar lugar a novos barcos, se possivel maiores e mais bonitos, com mais piscinas e jogos e salões de festas luxuosos em maior numero e ornamentações.
O rio parece cheio de prédios.
Os aviões fazem outro tanto.
Trazem e levam. Aterram e descolam.
As estradas ficam adornadas com autocaravanas em parqueamentos simétricos em cima de tudo que é monumento ou dunas do areal.
Os que estão sempre na cidade embebedam-se com o contentamento dos afogados. Sabem que já não contam, são meros figurantes decorativos. Atores desempregados.
Sabem que não vão sobreviver, mas resignam-se. Persignam-se.
E afastam-se para as periferias deixando a cidade aos turistas.
Lisboa é uma cidade maravilhosa.
As bolhas de gás carbónico desfilavam aos olhos dos apreciadores.
Mas o copo, que alguns chama de flauta, fecha o bouquet quando os novelos de lágrima sobem.
Ou melhor, uns subiam e outros desciam, cruzando-se em toda a extensão e, sem esbarrar uns com os outros, criando um circo de artifício sem fogo, sempre na vertical.
A temperatura é fresca.
A pressão no ponto exacto.
Os que sobem vão para santa catarina, para os aliados, para a batalha. Alguns derramam-se pela Boavista.
Os que descem procuram a ribeira, o cais, os barcos que saboreiam o rio.
Miragens de pontes e mosteiros assolam os apreciadores em tonturas de satisfação peregrina.
As cidades já não dormem como dormiam antigamente, ou como dormem as pessoas que se cuidam e conseguiram empregos que lhes permite usufruir da noite para o descanso.
Coitado do varredor de serviço que tem que recolher os dejectos dos outros. Do homem do café, que tem que preparar as sandes para os almoços madrugadores. Das mulheres que fazem turnos e conduzem os transportes na cidade.
As máquinas ligam a rega automática dos jardins e controlam a intensidade electrica da iluminação, as lâmpadas em funcionamento, as luzes fundidas e a precisarem de imediata substituição, bem como a vigilância dos espaços públicos.
Camaras de filmar e gravar criam imagens virtuais de alerta para ocorrências que possam vir a ser pedidas às forças de socorro e segurança, também elas sem horário ou interrupção.
Os hotéis estão fechados, ao mesmo tempo que estão abertos: há sempre alguém a sair para chegar ao aeroporto cedo, ou a chegar, procurando o descanso de uma viagem longa e atribulada.
O fresco mantem a pressão da pressa em circular, em remoer, em revirar e em sorver a espuma da azáfama.
Uma neblina assombra as imaginações. Para os viajantes as histórias são reais e, com a fantasia do delírio, quanto mais grandiosas e obscuras, melhor em degustação.
A torre sineira, o empedrado, as árvores e o esplendor das casas baixas onde fermentam vinhos e se guardam segredos flutuam no rodopio da borbulhagem.
São histórias antigas. Velhas. Penedos de ilustração.
Ruas, quelhas, becos, escadarias que se tornam leitos de turistas em enxurrada.
Estações de comboios, torres, Igrejas…
O Porto é uma cidade maravilhosa.
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