(escrito para comemorar o dia dos namorados. 2017)
O mundo estava para acabar, mas não acabou.
De vez em quando surgiam profecias. Algumas, nem davam para salvar as nossas almas em piedosas contrições.
Por isso quando novo anúncio foi feito, ninguém o levou a sério.
Mas, desta vez era “pessoal e intransmissível”, descobriu-se depois!
Ana Luísa Ganhão sempre tivera uma paixoneta por Cardoso e Cunha.
Nunca nada se concretizou, entre os dois, para além de uma amizade fugaz e de uma troca de mensagens com algumas segundas intenções obscuras. Por isso cada um era o amor da sua vida para o outro e vice-versa.
Quando esteve em Macau, Cardoso e Cunha convidou Ana Luisa Ganhão a ir conhecer o oriente, mas nunca chegou a haver oportunidade.
Também Ana Luísa, que costumava passar o verão no Algarve, com o marido e os filhos, quando estes eram pequenos, sugeria que Cardoso e Cunha a visitasse para disfrutar do mar magnífico e do “calor das águas” que naquela região se fazem sentir.
Era, portanto, um amor desencontrado. Como tantos, como às vezes acontece.
Estando o voo para Munique atrasado, Cardoso e Cunha julgou ver a silhueta familiar de Ana Luísa no aeroporto.
A chamada para o embarque estava a ser feito e já não pode estabelecer diálogo ou contacto visual com a amiga, embora ainda tivesse acenado ao longe, com o bilhete na mão, mas sem resultado. Ana Luísa não viu.
Se tivesse visto não teria embarcado. Cardoso e Cunha nunca se perdoou por não ter sido mais afirmativo, mais determinado, mais apaixonado: o avião onde Ana Luísa viajava caiu duas horas depois e não houve sobreviventes. O oceano não tem sentimentos.
Pensou que a vida era injusta. Ele é que merecia morrer, pela falta de ousadia, de atrevimento…de coragem.
Comprou uma flor, que colocou na lapela – hábito que não tinha, nem nunca havia feito – e passeou junto ao mar, pelas arribas de um sítio a que chamam “boca”.
Uma onda, engalanada com espuma e rendas sopradas pelo vento, recolheu-o, com a suavidade possível, para que não se magoasse.
Deixou-o junto a Ana Luísa, no fundo do mar, depois de algumas voltas e rodeios, em correria louca, porque a urgência era muita.
Descansam como qualquer par de enamorados, em convento de pedra erigido pelos fazedores de passados.
A felicidade, ás vezes, pode ser eterna.
Os Corpos dos amantes são os corpos dos amantes. Existem, colam-se, fundem-se e entrelaçam-se como se tudo em redor deixasse de existir.
Fica o novo, a essência e a fertilidade.
Tal como as vinhas lançam gomos, cachos, sumos e os esporões, em haste, se multiplicam, logo as varas se alcandoram, se incendeiam e erguem em rios de tormentosa corrente, aluvião ou marmoto de enxurrada.
Os amantes esmagam-se, na vertigem do desejo e da loucura, que é só deles, na alucinação que o momento prolonga.
Arte e tropia que faz mundos e néctar, criação, risonhos traços de volúpia e aquele sentido de – homens e mulheres - se poderem maravilhar, com o infinito e a intensidade.
Com eles próprios!
Onde as crianças possuem a fragilidade dos velhos e estes a doçura dos perfumados nascidos.
Lá, onde a cova do animal se acoita e a gruta das noites se guardam no ninho abrigado - fragância de aromas - teia, colmeia e lar.
Em fera, em animal, em segredo.
Não existem palavras no acto do amor.
Apenas os sons da criatividade urgente, da satisfação.
Um urro, um ronco, uma violência arrancada ao fundo dos oceanos e ao escalavrar da sementeira.
Uma missa, uma consagração ritual. Um carinho!
O que torna o mosto palavra é a mastigação. A igualdade. A violência da importância, que o silêncio nega, sublinhando.
Fecham-se os corpos em labirintos. Em estrela. Em águas suadas ou ventos caprichosos.
Abrem-se os sismos do infinito. Bebem-se os cálices de todos os sentimentos, pela atração do belo e na voragem da fusão.
Os amantes são uma taça de vinho que se faz verbo.
A terra mistura-se com as cepas, os verdes, a chuva, mas sobretudo o sol. A terra e a luz que o homem ama e trabalha: em seara, em vinho, em rebanho e alma sem outra religião que a sua.
Nas fronteiras que também são peixe e sal. Azeite e fruto!
Além e aquém,Tejo!
Procuro no efémero a vulgaridade.
Nada mais do que a vulgaridade.
Porque haveria de querer vida de santo
Ou mordomias de síndroma de poder
Se tenho todas as coisas que do mundo
São minhas e me fazem crescer
Desde sempre, ontem, hoje e até morrer
Procuro no efémero o transitório
Agarro a luz e fico nevoeiro, orvalho
E num fresco rodopio de vento
Olha as estrelas que do firmamento
Me dizem que tudo é universo.
Sou tornado, vitral e sentimento
Nada mais do que os momentos
Um somatório de girandolas numa iris
Fazem a felicidade de ter flores
Numa janela e um sorriso no rosto
Sempre que me lembro dos amores
Que tive, que tenho e com que sonho
A cidade é um vulcão
Não quero nada com ela.
Vem do alto das montanhas e enche de sorrisos o rosto das crianças
Tudo à volta é selvagem e desconhecido, pleno de luz e corpo novo
São as trovoadas do inverno a substituirem-se ás gentes que houve
Nas ribeiras que agora crescem sozinhas e desaguam em futuros novos
O frio, e a geada são companhia. de manhã em espesso nevoeiro.
À tarde em dourados bailes nas folhas verdes do etéreo calendário
Onde estão as gentes da beira-serra? Onde desapareceu o moinho,
O lagar, a azenha, as pedras de xisto empilhadas com o saber antigo?
Onde estão os avós e os que antes desses foram nossos pais?
Apenas ficou a natureza e a sua generosa brutalidade despida.
Um sol clarissimo embala toda a serra que cria a ribeira e os poços
Onde os chãos fermentam vida e apaziguam lumes ancestrais
Não se ouvem outros cantares que o silencio que a água cria
E a alma de quem se atreve fica mais velha, mais triste, mais só.
Perdida nos gostos de outrora, como se o mundo fosse hoje
O absoluto, obscuro, e estupido abandono de todo o sagrado.
E tudo descansa na tranquilidade da paz que é nada!
(beleza, dirão, pois que seja, mas que os meus olhos a vejam)
E o mundo segue perfeito, mais uma vez, no rosto de uma criança
Bamboleante no rastilho de uma estrela magica adormecida.
Os percursos são caminhos que nos unem
Vias e estradas que nos conduzem, faróis que nos orientam
Os percursos levam-nos. Arrastam-nos. Trazem-nos de volta
Entre o percurso e o caminho está o pisar do chão
A pedra, o cascalho, a lama e os sonhos
O mundo pode ser um casino, uma lotaria ou coisa nenhuma
Somos nós que somos o mundo.
Os percursos são caminhos que nos separam
Sulcos que deixam marcas, luzes que nos cegam e inebriam
Vozes, doenças, amores, ilusões… risos e choros.
Uma abelha fecunda a sombra de onde nascem os sorrisos
E depois chapinhamos na militância da velocidade
Desaparecendo no vórtice da voragem e no eclipse dos rostos
Todos os rostos são meus. Eu sou a saudade!
Um certo amanhecer cheio de luz,
Água, vento, réstias de ontem pelo chão.
Barcos e aviões na chegada
Festas e familia na consoada do encontro.
Um dia colorido, um erguer de janeiro
Sinto-me outro, sendo o mesmo
Juro que sou igual, mas envelheci.
Um certo amanhecer que me embala
Uma lágrima que também é sorriso
Penso que o tempo é ilusão, mas sinto
A dor que se instala nos ossos
(quem não quer ser jovem outra vez?)
A memória, a recordação, o arrependimento
De qualquer coisa que não fiz
Abana-me o corpo e o juizo
Chama-me á razão, grita-me aos ouvidos
Devolve-me o chão, o céu e os sentidos
E anuncia que a vida continua.
E nisto...neste desvario embriegado,
Um certo amanhecer me diz:
- Tens razão!
A vida é um tufão.
Olho o teu retrato e sou feliz.
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