O homem está no abrigo
Nada o demove
Talvez queira apanhar um taxi
Mas não se levanta
Nem espera que o venham buscar
está no abrigo mais de abandono
Que de protecção
Ninguém lá o deixou
Ninguém lá o há-de ir buscar
O homem está sozinho
Naquele instante, deu-se conta
De que está sozinho
Deveria ficar triste?
Ou outra aflição qualquer
Como a alegria que mascara
A realidade
Ou o desespero
Ou a incredulidade
Ou desânimo,
Talvez euforia -
Qualquer coisa...
Não! Nada!
O homem é apenas o seu retrato
E a sua consequência
O seu passado
Sem angustia, sem vaidade
Sem futuro
Sem vida!
O homem é espécie
Protegida
Que foi abandonada.
Pode o autor ser poeta
Ou escritor
Ou mero aprendiz iniciado
Pode ser pai
Avô
Tio, cunhado
Ou outra coisa qualquer
Dos ramos floreados
Da genealogia?
Quem diz pai, diz mãe
E todos os correspondentes
Femininos.
Pode até ser filho ou filha
E enteado, porque não?
A questão,
Sim, existe aqui uma questão
É saber se o autor tem direito
A uma vida dupla
A uma fadiga a um renuncio
Ou se lhe compete - apenas
E obrigatóriamente -
Ser feliz.
Questão importante
Que nem vale a pena
pensar duas vezes
Como são todas as questões
Que se dizem importantes!
Olhamos pra trás, no tempo.
Ele - o tempo - lá está!
Nós é que não!
O que foi que nos aconteceu?
Não sabemos nem nunca saberemos
Pois tudo ficou esquecido
Lá, onde a vida e o tempo
Foram amantes, vizinhos
E companheiros de jornada.
No tempo em que eramos felizes
E ficavamos cansados e alegres
E dormiamos com um sorriso
No tempo em que o amor era uma flor
Um verão, um agasalho de familia
E tinhamos a certeza de que haveriamos
De viver para sempre!
(Nós e aqueles que amavamos
Pais, filhos, avós e netos)
Olhamos para tras no tempo
E não nos reconhecemos
O que foi infinito foi a nossa crueldade
A ausencia de sentir o sentimento
Mas, agora, é tarde para arrependimento
Na minha aldeia, há velhos
Encostados aos muros, com cajados
E sonhos de dias felizes
Passo por eles e digo-lhes olá.
O sol resplandece.
Tenho orgulho nos velhos da minha aldeia.
Aprecio a inocencia de uma aurora
Porque nem principio nem fim
São certezas da natureza
Tudo voa, esvoaça, saltitando
Megulhando no eterno para depois
Passar ao efémero.
(como hei-de explicar?
Ou tentar que se tenha vislumbre)
Somos apenas o véu que ondula
Com a pressão da brisa
A certeza do momento, a incógnita
Do destino
E este farrapo do que se chama vida
A erguer-se em soluço.
Em chama, em sorriso, em ocaso.
Somos o tempo e a luz
Somos a fronteira
O passadiço que nos leva
Até onde existir vida!
(A vida é um amor fugaz
Que se transforma em vento)
Existe um vento que abana as àrvores
- Ah! Se fossem apenas as àrvores.
Mas são as nossas almas , por dentro
Que se deixam abanar e se vergam
Com a força do vento, da vida e de tudo
- e de todos os mistérios -
Que nos tornam frágeis e inseguros.
Sim, resistimos e vamos curvados
Sendo açoitados pelo vento, na cara
No cabelo (em desfolhada) no corpo
Nos ombros (que oferecemos em luta)
Nas mãos crispadas que protegem
Os olhos que alimentam a direcção
Para onde queremos fugir.
O vento segue galopando
Fazendo o seu destino de ciclone
Tufão, ou apenas ventania
Desinquieta e assassina.
O vento só amaina quando nos vir
Curvados, submissos, derrotados.
Nada, derrota o vento!
Por isso, deixei-me ir com o vento
E em vento me transformei
Para ser igual ao vento. Só a ti amei!
A terra seca, empoeirada e em brasa
espera por mim, mas eu tardo.
Vou ficando por Lisboa onde uma humidade
Persiste nas janelas dos palácios, em ...
Queluz, Sintra, Cascais...
Um pouco para lá, há festivais de musica
E competição em pranchas que deslizam
Sobre ondas de praias com peixe miúdo
E sabores a alho, coentros e sal navegado
Um pouco para lá, existem recordações
E perguiças e passeios de quando eramos
Outros. Sim, porque já fomos outros!
E agora apenas a terra seca espera por mim
Mesmo que um sorriso me traga a tua lembrança
Sempre! Sempre! Sempre! A tua recordação.
Um pouco para lá, fica o silêncio e as sombras
Das janelas fechadas, num calor de verão
Rápido, selvagem e impossivel de antigamente
E o meu filho chega a casa, saudando-me e
Buscando o conforto da fresca madrugada
Somos sós! A vida é feita de consolos, sonhos
E prazeres em ter amores verdadeiros.
O meu filho voa pelas estradas do meu país
Rumo ao norte e á sua ilusão de que o bom
A felicidade e o amor estão para chegar.
(Em cada abraço, em cada maré, em cada
Luar..nos ermos e nas cascatas de gente,
Que sorrisos iluminam e fazem companhia )
O meu filho cresce nas praias de areias molhadas
No ventre das árvores agarradas ás escarpas da serra
Na musica do vento e nos cheiros de agosto.
O meu filho é toda a minha herança e parecença
Em dia de sol e nevoeiro - que se despede -
Substituindo os demais que são noite e luar,
Gigantes, berros, ventos e conversas devagar.
Gosto de pensar que somos felizes! E agradeço
Essa felicidade. Gosto de pensar que existes!
E abençoo essa eternidade que me dá pensamento.
Os meus links