Do mar, das areias, das algas e do sal
Que se embrulham e revoltam
Do livre sonhar com turbulências infinitas
Estalada de água, bofetada de encontrão
Choque de marés e de esperguiçar
Onde germinam violências e tumultos
Rio acima até mim, onde sou espuma,
Salpico, cheiro, cor, poalha e nevoeiro.
Sou insolente e deselegante
Sou estrangeiro.
Sou o ultimo, sou o primeiro.
Gaivotas e dedos de cristal
Luzidias botas
Farois e vento norte
Moro neste apeadeiro.
Tinha de se arranjar
Qualquer coisa
Que não ofendesse
(muito)
Então
Chamaram-me poeta.
Eu não me importei,
Afinal, agora,
Já era qualquer coisa!
E assim me despedi.
Adeus poeta!
Que os bons ventos
Te levem e tenhas saúde
Eu fico com a guitarra
Que era do meu pai,
Com as agulhas do tricot
Que eram da minha mãe
E o sorriso e a voz
Dos meus filhos
(que continuo a ver
e a ouvir, como sempre
como se fosse agora
a primeira vez)
Filhos,
Alvos de neve
Escuros de caruma
Doces como a alvorada
O silêncio e a trovoada.
Tinha de se arranjar
Qualquer coisa
que não ofendesse
Muito.
Encosto a minha cabeça ao teu ombro
E deixo-me ficar.
Sem noite, sem remédio, sem poesia.
Só eu,
E este tempo frio, e
Este braseiro
que não me aquece os braços.
Só, na companhia dos que amo
Envolto em milhentas
Solidões,
Encontro resistência
Para me sustentar
Alimentado pelo mundo.
A poesia pode ser verdade
Emergencia, vontade.
Invisível é o sonho
E a silhueta dos que amam
Invisível porque existe
Para lá da vida
Em brumosos encontros
Em indelével fermentar
Em sussurro.
A brisa acaricia o mar
Quase não lhe tocando
Faz-se invisível
Para o contentar.
Aparece desaparecendo
E desaparecendo
Aparece. Está aqui!
Brinca, maroto
O invisível
Sendo caldo,
sobreposição
De camadas telúricas,
Pura energia fóssil
combustão.
O sopro não tem visibilidade
E os nossos olhos pouco enxergam
Tal como o pensamento
Que não pode ser acorrentado
Lá onde o nada se resolve
Em toda a matéria do universo.
Invisível é a vontade!
Depois de Babel
(muitos anos depois
retornamos a Babel)
Os homens sentam-se à mesma mesa
E falam sobre o desconhecido
O que não conhecem
E o que sentem.
Não precisam de se entender
Na forma da lingua,
No som, nas palavras,
No cortiço e na colmeia
Das suas origens
Conhecimentos -
diriamos: culturas -
Expressões, aldrabas
Miriades de encantamentos
Alfabetos, regras, regulamentos
Gramáticas.
Fazem-no pelo gesto
No olhar, no aperto das maõs,
No abraço
Também na luz dos olhos
Que chispam
Que faúlham,
No indefinido sentir
De que somos unos, iguais
Completos!
Somos!
E isso nos define.
Mar de ondas em canhão
Vento de arriba e nortada
Frio, gelo,muito frio.
(embrulho as mãos nos bolsos do sobretudo)
Não sei se é chuva ou salpicos das ondas
(não sinto os pés, as pernas ou o nariz)
Olho a distancia e um nevoeiro maligno
Venda-me a vista e não descortino nada.
Sou pedra e musgo, estátua, padrão e sal
O mar é meu companheiro e namorado
Sim, o mar é solteiro.
Quem me fustiga, testa a minha força
E eu resisto.
(Depois de uma noite mais violenta,
Um céu claro abre-se e a luz purifica-me
Dormimos um dia profundo, serenos
Nem o barulho das gaivotas nos incomodam
Somos passageiros da viagem que a terra
Rodando nos oferece)
Do alto da minha coluna de faroleiro
Saúdo a chama do tempo
Que vigia
Que orienta
Que conduz
Que nos alimenta
Seduzindo a trovoada da vida
Apaziguando o medo e o queixume.
Sou nazaré!
Vejo caminhos, nas pontes que procuro
E vou neles até ti
Sei que somos estranhos e opostos em tudo
Mas acredito que podemos conversar.
Vejo caminhos em zigzag ou em rectas sem fim
Uns alcandonados em escarpas
Outros arrojando-se em vales profundos
Todos como serpentes, combinando-se
Para me dificultarem a caminhada.
Aqui um desabamento, um colapso atrasa-me
Ali um vento medonho empurra-me para trás.
As pontes têm duas margens: uma começa
Do lado de cá. A outra começa: Do lado de lá.
O que seria do meu caminho sem pontes?
Tudo começa no dia em que nascemos
E depois continua, continua, continua...
Até que somos nós,
E nos transformamos e modificamos
como uma flor
Que continua a ser, como nós, quando já não
a vemos, nem escutamos, mas sentimos
No entrelaço da vida, da procura e da resposta
Que sentido faz a mão que encontra?
Que sentido faz a mão que acarinha?
Que sentido faz a mão que afaga?
O sentido que a vida nos dá!
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