Eu tenho um cão,
Que tem duas patas
Um focinho
E uma cauda,
E que ladra
Como todos os cães
Quando está sozinho
E sempre que quer.
Quando me faz companhia
Dorme com um olho aberto
E de sentinela
Vigia as minhas emoções
Com a precaução do amparo.
Eu tenho um gato
Que tem duas patas
Um focinho
E cauda também
Que mia
E se esfrega nas minhas
Pernas
Saltando com olhos de nesga
Por gelosias de conivência.
Cão e gato
Gato e cão,
Estou sempre em boa companhia.
Um olha-me
E quer ir para a rua passear
O outro ronrona-me
E quer que o deixe sossegar
(anda nos telhados sem autorização
Assenha-se comigo
Quando o repreendo.
É um felino de guarda!
Que se atreva, o mais ousado,
A fazer mal ao meu menino)
O cão e o gato
Não sei porque me lembro do sapato
(que comeste tu hoje?
Sopinhas de mel...)
O gato e o cão
São amigos e ternura dos ausentes.
Presente encontrado
Por quem não tem namorado.
Os velhos morrem com o frio.
Caem, tropeçam, aleijam-se
Sofrem dores nos ossos e
Queixam-se das articulações.
Os velhos vai congelando
Congelando, congelando,
Até desaparecerem em nadas
E em coisas nenhumas.
Os velhos contipam-se
Sofrem do nariz, da garganta,
Não há mal que não lhes chegue
Não há cobertor que os aqueça.
Quero acabar com o inverno
E salvar os velhos
Colocá-los todos num jardim.
Porque é na memória dos velhos
Que o mundo não tem fim.
Há neve, ali ao lado
E calor, aqui ao pé
Já não há chuva
Apenas aguaceiros
E as noites de frio
Cristal, gelo e geada
Estão estreladas.
O inverno mudou.
E nós, mutantes, mudamos
Com ele como se não dessemos
Por isso.
Ficam os agasalhos
E os compostos usados
Nos combustiveis
Nos aquecimentos
Nos arrepios.
Regressam as doencas
Que inoculam nesta estação
Como juízes ou carrascos
Eliminando
Velhos e excrementos
Fora de prazo.
(tudo o que - decidem eles-
Está a mais!)
A natureza é cruel!
Tenho tantos silêncios para dizer
Que me custa ficar calado
É como se a importância de tudo
Deixasse de existir e no segredo
Das noites de arrefecimentos súbitos
Sentisse que quase tudo ficou por dizer
Quando falo, escrevo ou te amei.
O silêncio não tem cor
Nem é perfumado
Não tem forma nem tempo
É apenas uma presença que persiste
Uma solidão que nos acompanha
Um desconforto que se acomoda.
Há silêncios que nos ensurdessem
Há momentos em que nos apetece.
Basta agarrar no mundo com força,
Rodá-lo, rodá-lo, até ele se vergar
Fixá-lo ali, e sem se mexer, obrigá-lo a ficar
Com os Pólos na linha do Equador.
Faça tudo, devagar, com determinação,
Com cuidado, não vá o mundo se esmagar,
Com atrapalhos ou hesitação.
Depois em disco, é só empurrar para que voe
Flutue e deixe de incomodar
Sinto alívio, só de pensar!
O clima já melhorou?
Deitado
Sob uma toalha de prata
Em lençóis de luar
Leio as estrelas
Que me iluminam
Com as suas pétalas de luz
Imaginando-me náufrago
Numa dolina de seda.
Sinto o corpo flutuar
Como se não tivesse peso
Sinto a vertigem do medo
E, Estendo os bracos
Agarro o nada
Que comigo navega,
Baloiçando,
Perdido na espuma
Da maresia, no repuxar
Das ondas, no arrepiar
Que o universo me pede
Para que o deseje e o ame
Fazendo-o meu,
Nosso, inteiro, perpétuo
Único, verdadeiro,
Infinito.
Sou aquele que não existe,
Porque nada é tão perfeito.
Sou aquele que gostaria de ser
Mas apenas no devaneio do sonho
Na fugaz passagem entre dois
Dormires, entre atrevimentos
E a ilusão do reflexo que o espelho
Me obriga a sentir
Encontro a dimensão do que não sou.
A realidade volta breve.
O corpo afunda-se
E volto a ser eu
Feito de sal e vento
Nos seixos da vida
E das praias enrugadas
Nas Areias, rochas, arribas
Açoites de mar
E madrugadas.
Vou escrever algo curto
Rápido
De electrão.
Não tenho pachorra para mais.
Algo que termine
Antes de começar,
Que acabe já aqui.
Também
Ninguém vai ler.
Quando virem
Já passou e o que passa
Já não é!
Mergulhei no sangue do dragão
E a floresta riu-se de mim.
Nada me faria ficar jovem
Eterno, imutável. Nada!
Escorri todos os óleos sagrados
Pelo corpo, e na cabeça
Nasceram-me pensamentos
Obtusos.
Fui ungido e embalsamado
Ficou o quê de mim?
Um qualquer pássaro sagrado
Voou indo pousar no dragoeiro.
Disse-lhe adeus, acenando
Voltei-me, revirei-me, aconchegando-me
E fui sonhar para outro lado.
Felizes os que sonham com a morte
O sonho do eterno é sempre um sonho
Adiado.
O fim fora cancelado.
A monarquia que eu queria
Tem manias.
Tem príncipes, princesas,
Herdeiros e outros cangalheiros,
Para além do rei e da rainha
Que são tutores
Militares, doutores,
Que vivem de favores
Acompanhantes, certidões
Facilitadores,
Sofrem com os amores
Entre caçadas e desgraças
Como só eles sabem ter.
A monarquia que eu queria
Não é esta. Nem a outra.
Afinal não quero nenhuma
Que não tenha a humanidade
Primeiro,
E a humanidade depois.
Uma monarquia das pessoas.
A monarquia que eu queria
É a monarquia que eu quero.
É assim,
"Prontos!"
Acabou-se a discussão
Ainda antes de ter começado.
Quem não concordar
Vai preso,
Arrastado e desgraçado
Que não há-de nunca
Ter perdão.
Já vinha no prato
Ainda o prato estava vazio
A lagarta fugiu do frio
Para o meu colo
Deixou a horta
E comigo à porta
Sentou-se à mesa
E comigo conversou.
Era uma lagarta da couve
Que tinha fome:
Dividimos a sopa
O caldo verde o bacalhau.
Depois eu fui marear
E a lagarta da couve
Descansar.
Nunca mais nos encontrámos!
Na vida real de todos os dias
Vejo-a na televisao
Em dias de petisco
Num programa de culinaria
E gastronomia
Com políticos e saltimbancos
Que assaltam bancos
Mastigando couves tenrinhas
E brócolos em segunda mão
Nabiças e outras hortaliças.
(congelados, conservados,
pois claro, recomendados
Para dietas e outras mezinhas
Com couves ou com galinhas)
São lagartas com ventosas
As rodas do meu trator
Por cima de pedras e calhaus
Na lama e no mais desabrigado
Piso seco ou piso molhado
Lá andam as lagartas
Desenrascando os desenrascados
Em sementeiras e escareeiras
A gradar o verde, do repolho
O rebento novo da flor da couve.
(que lagarta não é minhoca,
Nem centopeia ou serpente
Pequenina)
A folha da couve tem dois lados
Mas só num vive a lagarta
Que se agarra com quantos pés tem
Para não cair. A lagarta da couve
não faz mal a ninguém.
Viva a lagarta da couve!
Viva!
*
A lagarta da couve que houve
Escuta, presta atenção,
Ao geito do Mário Viegas,
Ao surrealismo do Almada
Ao mito desta lição
que com musica
Poderia ser canção.
Lagarta da couve que não tem coração.
Depenada processionária em procissão
Pede que passe despercebida.
*
No fim dos tempos,
Depois de todos os incêndios
E inundações,
Das aranhas e dos mosquitos
Ficaram as lagartas sozinhas
Era o fim, o armagedão.
Vou-te beijar!
Sou eu que te beijo
Ou és tu que me beija, a mim.
Temos de decidir.
Não podemos ficar assim.
Claro que resolves tudo
Dizendo
Somos os dois.
Um beijo só existe
Quando é partilhado
Dado, recebido,
Oferecido, trocado.
Beijemo-nos, pois,
No alvoroço do tempo
Que nos mistura,
Na troca que nos une
No enigma dos olhos
Que se confundem ao fechar
Na boca que se abre ao sonho
Do ritual que se inicia
Ao beijar.
Lá vai o galo
Que tem muito que contar
Bate o galo na galinha
Antes e depois do altar.
Galo que canta de galo
Sem ser ao romper da manhã
É mais pardal assustado
Do que galo galador,
É bicho mutilado, galo
Que palra, palrador.
O galo de crista arvorada
De garras lancetadas
Morre na cabidela do juizo
Que dele fazem os outros galos
Mais tenrinhos, mais fofinhos
Numa gala de convencimentos
Num tiro certeiro
Numa revolta no galinheiro.
Intervalo
Para o galo que à frente
Vai primeiro.
Tocam carrilhões
Badalos
Chocalhos
É alerta geral
Soam gaitas,
Pifaros e vuvuzelas
Batem
Com tampas em panelas
Num carnaval
De exorcismos
Todos em contrição,
Fogem assustados
Ficam os malvados
Eu mim, eu não.
Quem quer casar com o João Ratão!?!
No tempo em que a geada é rainha
Muitos poetas escrevem versos
Para se aquecerem na fogueira
Das faúlhas e dos seus abraços.
Nas palavras inventadas
Com a urgência da ternura
Do calor adormecido que desperta
E há-de explorir em mil faiscas
Em sol e em silencio
Os poetas procuram palavras
Para se aquecerem, enquanto,
Uma valsa que desce pelos rios
Vai surgindo, tímida, bruta depois,
Num batuque de aguas
Num frenesim de emergência.
E o frio desaparece.
Ficam saltitares de crianças
Risos, brincadeiras, jogos antigos.
Velhos enrolados nas salgadeiras da vida.
Àrvores em estilhaços
Fumeiros que preservam a memoria
Em palavras sussurradas
Noites de cristal esculpidas em luar
Agasalho de viver.
Palavras que os poetas inventam
Para combater o frio.
(não sei se resulta, se a receita é maior
Sei que me apeteceu dizê-lo, assim!
E eu, nem sou poeta)
Absolutamente.
Claro que não.
Nunca!
Diz o criador
Para a "coisa" criada.
-Nem por absurdo.
Tudo medra
Que merda,
Até o cão da vizinha
Faz aquilo que não devia fazer
Não por culpa do cão,
Mas por culpa da vizinha.
Que merda!
Está eleita
Está eleito
Cada um à sua vida.
Não chateie mais.
Obrigado doutor
Mas, esta vida
Não tem melhoras.
Tal como havia começado,
Num repente, tudo acabou.
O sol, a chuva e o medo.
O tempo é de rezas
E de espera
Para quem trabalha e acredita.
Tudo se recolhe
No abrigo do celeiro
Tudo se guarda
Agora, para depois
Tudo faz falta,
Tudo tem um sentido.
Não vejo ninguém na rua.
Portas e janelas fechadas
Em resguardo.
Foi assim que encontrei
Perdida, solitária,
A minha aldeia.
Ah, sim o cinema,
Fonema, Filomena,
Filmes, fitas, clubes
De apaixonados
(em cine)
Pelo mágico projectado.
Coisas que vi na tela
Na pantalha,
No televisor
Num lençol estendido
À noite ao luar
Com peripécias
Que nos faziam corar
E sonhando,
Também querer
Aventuras e amores.
Recordo em sessão dupla
Dois filmes com intervalo
Um de cada habilidade
(género, sagacidade)
Guerra, drama, história
Ficção científica ou da outra
Muita coboiada e tiros,
Fantástica distração
Onde éramos inocentes
Idólatras e críticos de arte
Sem o sabermos.
Ah, sim, pois claro,
O cinema.
Sempre o cinema.
O cinema.
Um fotograma.
O cinema.
Outro fotograma.
Pelo menos era assim.
Agora é tudo diferente,
Até o cinema onde se vê
O filme, mudou!
Tem escuro
Nos andaimes da fantasia
Cor, movimento, sonoridades
Especiais enfeites
E animados desenhos
Inventados por alados
Artistas de mil e uma artes
De 1001 personagens
Enredo, música, luz
Surpresa geral.
O cinema
Tem um travo mágico
A liberdade.
Eu gosto do cinema assim!
Os meus links