O amor existe numas águas-furtadas
Na cave de um condominio
Num comboio que ruma a braganca
E por maioria de razões num elevador
Numa prancha de surf,
Numa corda de alpinista
E também na casa da dona Amélia
Que é minha vizinha.
O amor existe para o senhor António
E esposa, para a senhora Lucinda.
E até a menina de saia travada
E seios enfunados sabe que o amor
Ao sábado é autorizado.
O amor existe na paz do senhor
E no aconchego de uma mãe,
Onde sempre esteve, onde sempre existiu.
Na ternura de uma idade avancada
Na criança que tropeca
Nas mãos que seguram, nuns bracos
Que abraçam.
Num beijo de bocas urgentes,
Em línguas dementes.
O amor existe
Por inteiro
(com inverno, verão e o verde e castanho
De todas as estações, com montanhas e abismos
Como em toda a natureza, com fome, frio, calor
E saciedade, com nevoeiros e tempestades, mas
Sempre manso ou selvagem conforme as idades
No silêncio gritado de ser sentido de ser amado)
O amor existe!
Cansado de andar sempre a dizer o mesmo.
Cansado da morte e às vezes também da vida.
Cansado de estar cansado.
Fica descansado que não te vou incomodar.
Porque não há incómodo que o possa pagar.
Acenas-me com a gelosia
Das pontas do teu cachecol.
Sorris, sopras-me um beijo
Devolvo-te o mesmo em desejo
E na madrugada que em amarelos
Nasce a oriente levanto a mão
Para um adeus.
Sou estilhaço,
Fragmento,
Espuma
E nada faço.
Erguendo-me no sol
Das recordações
No areal dos sentidos
No coar das lembranças
É no fumo dos dias
Que me desfaço!
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