Não somos donos do cão com que vivemos,
Do gato ou do pássaro de que gostamos
E vivem lá por casa.
Não somos donos de nada.
Amigos dos animais não são donos
São parceiros: alimenta-nos,
Cuidam deles e eles retribuem.
Não há aqui donos, isso é bizarro,
Escravatura, tentações de poder
Sobranceria eclesiástica.
Tenham juízo! Não domestiquem
Ensinem!
E já agora, apanhem a merda do cão
Quando forem com ele à rua.
Um tem responsabilidades,
O outro não. Ambos fazem companhia
Se entretêm e se abraçam, ambos
Precisam um do outro.
De donos, Não!
Começou a nevar, em alguns sítios,
A norte, neste País.
Começou a nevar e houve admiração.
Nao percebo porquê ?
Porque sempre, por esta altura do ano
Neva, ou negava antigamente.
E a neve cobre as montanhas, os Telhados
E congela as almas dos que têm alma.
E daqueles que a perderam em batalhas
Passadas, em tráfegos anteriores,
Em comércios de sobrevivência.
Não se pode ter tudo!
Fiquem com a neve e o frio. Agradeçam
O planeta estar a regressar à normalidade.
Já agora, agasalhem-se!
Se daqui a mil anos encontrarem esqueletos
Soterrados na neve, tenham a certeza,
Garantam, que não é o vosso.
Um conselho de quem não tem autoridade
Mas é português. A alma fica descansada.
Meio termo e caminho entre química e biologia
Que não se vê nem se mede mas existe.
Não se fala mais nisso.
Ficamos assim!
Assim, como?
Como estamos!
- já não seria mau, mas,
Dizem que vai piorar
É inevitável.
Será o que for,
não chega
Dizer basta.
Então, ficamos assim,
Conforme combinado!?!
Assunto arrumado.
Ficamos assim,
enquanto tudo não seja diferente
Depois, ficaremos
Como ficarmos assim ou outrossim
Ou do outro lado.
De que podemos falar quando todas as palavras se acabam?
Quando não há mais nada para dizer
E o silêncio substitui a voz, a escrita e o pensamento.
De que podemos falar com os olhos, as mãos ou o corpo
Onde cada gesto é uma palavra, uma frase, uma mensagem
A comunicar, espalhando sentimentos, ideias, chamas,
Agradecimentos, buscas, consolo, apelos, urgências
Quando não há mais nada para dizer. De que podemos falar?
O silêncio contém todas as palavras
E não há mais nada para dizer.
Tudo foi dito ou ficou por dizer. Não há mais nada
Para fazer!
Triste! Triste faltarem-nos as palavras, os argumentos
O sentido de uma carícia, uma força para a luta
Que a palavra é punhal, faca, bistori e cateter
Que nos sangra as dores e alivia o sofrimento.
Triste não haver mais nada para dizer e assim nos calamos.
Amanhã, os pássaros acordarão mudos.
Finalmente chove.
Não era para chover?
Enganei-me no prognóstico?
Se chove é porque está tudo bem
A chuva é divina, limpa,
Cria, amansa, refresca,
Faz-me bem!
Gosto da chuva em Março
Do Abril que se aproxima
E com chuva lavo a razão
O pensamento, a alma,
Se é que a tenho, os olhos
E a visão.
Tudo ficou mais nítido, brilhante
Transparente,
Depois da chuva passar.
Desconfio de que possa haver esperança!
Escura a noite.
Passa o carro do lixo
A fazer o seu trabalho.
(carregado de funcionarios
Vestidos de fosforescente)
Não há vivalma em redor.
Um ou outro transporte isolado,
Ruas desertas e noite fechada,
Nem luzes nas janelas.
A cidade fantasma existe aqui
Onde se escondem pessoas
Assustadas. Humilhadas.
Inquietas.
Escura a noite
Apesar das luzes em toda a cidade
Em todas as ruas, praças, avenidas.
A noite está de tocaia
Sem nuvens, sem luar, sem barulho
Como se esperasse... Um desfecho
Que não tem noite para acontecer
Uma qualquer surpresa,
Apanhada em flagrante,
Resultados, indulgências...
Consequências.
A cidade não dorme, mantém-se neutra
Escura, apática, solitária, insana
Densa e perigosa como um covil
Onde se ocultam formigas, aranhas
Sustos e pavores tão medonhos
Que todos os bichos da noite
Em uníssono, se retesam no salto
Do ataque à presa indefesa, distraída.
As pontas dos cornos de um boi
(pujante, preto, em espera)
Em planície ondulada
com manchas que tresmalham
alçapões, armadilhas e ratoeiras
(visto, tapado, escondido, adivinhado,
mais do que vislumbrados)
Perfura o negrume denso, baixo
Do nevoeiro que agora cobriu
O pantano e o lago, o jardim
O coreto e o recreio.
A noite segue os rios, os mares
As montanhas e os faróis de um carro
Vigilante, que acabou de passar a portagem.
A noite tem sentidos felinos, gatos pardos,
Mistérios consentidos e medos exagerados.
A noite é fruto torrado. Fio de azeite.
Tudo que tenha sentido na noite
Morre na noite.
Não há despedidas
Nem beijos nem abraços.
Lágrimas e dor
Ficam sem destino
E apenas os mortos
Sabem que a eles
Eram dirigidas
As palavras que nao
Se disseram,
Os gestos que ficaram
Por fazer
O grito que não saiu
Da garganta.
Não há despedidas
E todos morremos
Um pouco
Em cada noticia
Dos que se vão.
A despedida é a partida
O adeus o gesto
O silêncio do tributo.
Despedimo-nos
Para ficarmos.
E ficamos sem o último gesto
A derradeira homenagem.
Depois explode o vazio
Quando percebemos que estamos
(Mais) sós!
Hoje acordei inspirado e não ensonado.
Hoje acordei com a lua já deitada
E com a cama amarrada ao pensamento
Puxei a alma para fora e deixei o corpo
mais uns minutos com ela,
A cama, Os lençóis a almofada...
Arranquei numa euforia, num desatino,
(febre certamente,)
à procura do tempo que perdi e nunca vou recuperar
Depois acalmei...é melhor ir devagar!
A inspiração amainou, acentou, fiquei a pensar que era outro
Regressei ao corpo e levantei-me sem mais questionar.
O sol entrava pelas gelosias gretadas do tempo,
havia barulhos na praça, umas vozes, uma arruaça.
Que bom que o mundo tenha regressado. Mesmo em pijama
Desci as escadas e fui ter com ele, com o mundo,
Com a vida, com os que festejavam. O dia começava!
Prevê -se que o demónio continue
Que vá adiante.
O demónio! Que sabemos nós dele?
Apenas que se chama assim e que é mau
Como todos os demónios, que
Nos infernizam a vida,
ou não fosse ele, o demónio...
Demónio do diabo, diabo de demónio !
Que continue, que cumpra o seu destino
Avante nesse cavalgar, que seja comboio bala
Razia, jacto, avião. Que não lhe falte maldade
Crueldade, disposição, nem tão pouco tesão.
Estou com azia, só de pensar, os demónios,
Os meus e dos outros, quero matar!
de demónios estou farto, por aqui...
(já nem posso ouvir falar deles)
Sejam eles chineses, quadrados ou de outra nação
(às pintinhas, como pompons de cortinados)
Ou demónios domésticos de usar em casa
(como um gato, uma tartaruga, um cão)
Animais rabudos, rabujentos, demoníacos até
(que rapam, esfarrapam, descozem e estilhaçam)
E que fazem a nossa desgraça. Por vezes, muitas vezes
Sem graça. Mas com quem temos de ter compreensão.
Demónios todos temos, dormimos com eles
São-nos familiares, amigos, companheiros.
Agora demónios, demónios verdadeiros?
Esses dispenso e nego que os haja,
Mas por via das dúvidas afugento-os com alho
Sabão, água vinagre e porrada. Muita porrada!
Sim, precisam de ser maltratados, escorraçados
Pisados, destruídos, empalados, sodomizados,
Queimados e esquecidos para que o seu nome
Seja, jamais dito. Esquecido. Impronunciado.
Para longe demónios do caralho.
Alerta!
Não confundir
Fds com fdp
Amanhã vai desaparecer uma hora
Das nossas vidas.
Porque muda?
Porque me roubam, assim?
Não me tira o sono quem quer
Viverei até que o corpo me doa
E as pernas e os braços
Aguentem.
Viverei sem horas, sem recreio
Sem companhia,
Viverei no segredo e na reclusão
Que me alimenta e rejuvesnece
Como uma água de batizado.
Cada Fds é um fdp a menos
Ultrapassado, esquecido, dominado
Morto pela exaustão.
- vou passear o cão!
Que saudades de um sol no rosto
De um vento na cara,
De uma fonte onde beber agua
Na beira da estrada.
Que saudades de ser eu
E ter vinte anos.
Porque o tempo só viaja num sentido
E é na direcção dos ponteiros do relógio
Quem dá não empresta, por isso não podemos
Devolver. A vida é uma dádiva e passa a correr.
Cansado por fazer o que quero
Satisfeito por ter conseguido,
Findo o dia a arrumar gavetas
A fechar armários a arquivar
Pastas de documentos
E a catalogar fotos antigas.
Ajeito a almofada e esforco-me
Por não pensar. Quero dormir
Descansar.
Acordo a pensar que é dia,
Mas ainda não amanheceu
Acordo e ainda é noite,
Ouço uma voz que me diz
que o dia faleceu.
Pensava que dormia,
Pensava que acordava
Penso em descansar.
Deixem-me aqui parado
A pensar que namoro
Que estou nos paraisos
Dos contos de fadas,
dos deuses que prometem
Das oníricas mil noites exóticas
De uma qualquer terra distante
Onde tudo é emoção, veludo
Cetim e erotismo.
Deixem-me sonhar.
É pelo sonho que iremos
Construir O depois.
Levanto-me, vou trabalhar,
O mundo não se faz a sonhar.
Chegaram os primeiros sintomas
Com o ar fresco da Primavera.
Ainda não há flores, nem pólens
A esvoaçar,
apenas um ténue sol brilhante
Uma casca de esperança
A cobrir e agasalhar os troncos
Da árvores
Que se vão vestindo de verde.
Mas há indícios de nervosismo,
De impaciência, de irritação.
Calma que a natureza tem o seu tempo
A sua velocidade
Da gestação ao passamento.
E nesse espaço de interim
Vai uma curva de mundos e emoções
preenchida com serenidade.
Não se apressa a natureza
Sob pena de obtermos falsidade,
Impostura e inverdade.
Os primeiros sintomas são graves
Afectam como bisturis o tecido
Do nosso comportamento.
Depois rectificamos, regularizamos
E damos por adquirido o menos mau.
E assim nos transformamos,
Mais do que evolução
E um processo de transfusão
De transvase.
Fica sempre um resíduo de desânimo
Fica sempre uma faca apontada à garganta.
Fica sempre criado, emergindo do nada,
um diamante por delapidar.
Não, o nosso mundo não vai acabar!
Sabemos que o mundo é feito de vulcões,
De erupções repentinas, de abalos, desabamentos
De erosão.
Sabemos que os mares se entornam e enfurecidos
Arrasam e desbastam.
Sabemos que o fogo mata, mas reata a vida.
E nesta sabedoria milenar
Neste percurso entre o tudo
E o nada, o desaparecido
E o criado
O Homem está para ficar.
Escapadinha ou escapadela
Fui ali à rua falar com ela
Tudo numa rapidinha.
(as palavras mudam de sentido
À medida que as usamos e o tempo
As arrefece, depois de quentes
Saírem do forno.
As palavras são o pão-nosso--de-cada-dia)
Que saudades de um tumulto
De uma algazarra, de um ajuntamento
E também de um peixe assado
De um cabrito estornado.
(saboreado à mesa de um restaurante)
Agora corremos curvados,
Protegidos pelas trincheiras do acaso
Ziguezagueando para não nos cruzarmos
Com o inimigo. Que perigo!
Regressamos assustados, incrédulos
Por não termos sido atingidos,
Tratando as feridas, festejando,
Enganando o boi que nos aponta os cornos.
Fui veloz, relâmpago, acrobata
Se tudo correr bem, este vírus não me mata.
Escapadinha ou escapadelas
O que interessa é estar com ela.
Deixo as palavras irem à frente
Para ver se o inimigo faz lebre delas
Sigo a coberto do pensamento
Pelas sombras da distração
E no repente do momento
Engravido de vida o futuro que nasce
Nesta primavera de contrastes
Solidão, flores e cores.
Adiar, adiar,
Procrastinar.
Deixar correr
Ir? não!
Ficar!
Não fazer,
Aguardar.
Adiar, adiar,
Esperar.
Faz bem zangarmo-nos,
Dizer uns impropérios
De vez em quando...
Foi por causa de zangas
Antigas
Que se fez um império.
Se blasfemar é reação
A uma corrente de ar
A uma comichão,
Dizer asneiras
Torna todos as outras
Imprecações
Sentenças e afirmações
Razoáveis, possíveis
Siciadas, assustadas,
que o insulto
Tem de ser gritado,
A praga excomungada,
O judas queimado,
Confirmando a poesia
Que também pode ser
Negaça (insulto, ameaça)
Atiço para cão
Ou edital a que alguém diga não!
Lavo as mãos.
Como uma tangerina
E fica uma fragãncia no ar
De que gosto.
Vou á janela
E o ar arrefece
à medida que o dia
Desvanece.
Leio um livro
Ouço musica
Passo pelo sono
E estremunhado
Sonho com borboletas
De muitas cores
E o cheiro a pinheiros
A resina
A lavradores
Pescadores, gaivotas
Amoladores,
faz-me pensar que estou
Em outro lado.
Mas, não! estou aqui.
Confinado!
Aqui, numa sala fechado
Espero o dia em que seja
Libertado.
Estou cansado
Enjoado
Tomo banho
Para me entreter
Acaba-se a água
quando estou ensaboado
Já tenho aventura
Para escrever.
(Foi o tubo que se partiu?
O cano que se rompeu?
Ou a companhia que interrompeu
O fornecimento?)
Que batizado de epopeias
Corro para o teclado
Antes que se vá a inspiração
E sem dar por isso
O carteiro - que é sirene
dos bombeiros - diz-me
Que o tempo das enguias
Acabou.
Gosto! Mas o que é que
Eu tenho a ver com isso?
O pseudónimo,
Remeteu para outro pseudónimo,
Que por sua vez, desaguou
Num terceiro.
O autor estava protegido.
Meia noite e eu sem dormir
Fico olhando o teto da minha sala
Esperando noticias que sejam
Conclusão se o doido sou eu
Ou quem anda lá fora, noite serrada,
A fugir ao medo.
Tenho a luz apagada
Ouço barulhos de intrusão
Pego na faca e aperto o cabo
-eles que venham!
O corpo retesado, pronto a saltar
Coração aos saltos
Meço a temperatura, o pulsar
E num golpe apanho o invasor
Pelas costas, à traição.
Bebo um copo de água
Para me acalmar.
Estamos no intervalo
Toda a casa estremece
É anunciada a continuação,
Que excelente série para ver
Na televisão!
Já passa da meia-noite
E nem sinais do fantasma
Agora vou dormir
Que amanhã a vida muda
De sentido, de semelhanca
E o pesadelo será apenas
Lembrança!
Os meus links