São quatro degraus em pedra
Com um pequeno espaço circular
A servir de varandim
Rodeado por um amparo até à cintura
Tudo em pedra, apenas para um
Orador, pregador ou turista.
Fica no meio de nada, perdido
Longe de tudo.
Sempre o conheci vazio.
Quando se construiu, talvez o terreiro
Em frente
Fosse povoado. Agora deserto
Serve apenas para ser contemplado.
O púlpito, recuado, ao abandono
É sinal dos tempos, do refluxo
E da moratória que foi dada agora
Aos precisado da carência.
Não se vê ninguém. Não há ninguém.
E um musgo, formigas e um gafanhoto
Sentem o arauto velho vociferar
-um dia, o mundo, vai acabar!
O que se sente quando se chega ao fim?
O que se sente quando julgamos que tudo acaba?
E se não for verdade? Se, afinal, tudo continuar?
O que se sente?
Dizem que entre entre hoje e amanhã há um mundo
Que separa uma coisa da outra em fracção.
Não acredito!
Nunca assim foi. Tudo se modifica devagar
À excepção dos desastres inesperados e súbitos
Que rasgam a corda do tempo e rompem com tudo.
Que prenúncio de catástrofe nos aguarda? Já hoje,
Amanhã?!
Hoje, tudo acaba para os que morrem.
O mês dá por finda a sua viagem.
A noite arrepanha as cortinas da minha sala
E vomita pedaços de negro no chão sujo
Enfarruscado, da minha casa sem luz.
(alguma coisa apagou todas as luzes
E não há um luar que desenhe os contornos
Do desconhecido, nem o tamanho do olhar)
Se tudo acabou, não posso aqui ficar.
Todo o tempo é uma armadilha.
Levanto-me devagar e fujo.
Não encontro ninguém no caminho.
Não tenho perseguidores,
Estou completamente sozinho.
Em que é que o posso ajudar?
(passei a porta que divide os mundos
Estou do outro lado)
Tudo cai recomeçar.
Deveria apresentar algum documento?
Manifestar solicitude, alegria, algum desejo?
Tudo o que vejo são marcas do antigamente
Em sinais de continuidade. Um céu aberto
Uma paisagem sem limite, a teluricidade
De construções antigas, lá ao longe, num outro fim
Erguendo a vista a pensando: até onde isto
Vai dar?
Sustenho a respiração. Olho nos olhos o dia
(massajando o pescoço que me dói, sei que
Estou vivo e nas mãos transporto um livro)
Pouso os braços ao redor do teu pescoco
E digo: vamos lá falar!
Sou o autor, o tutor, o único,
Aquele que, todos os dias, se faz
A escrever, a editar e a guardar.
Não tenho ambição de ser lido
Os leitores não aprendem nada
Não sabem nada,
E estão muito bem assim.
Eu sou aquele que se encanta
Observando os outros
E se espanta com o mundo
E agradece ter conhecido
O lugar, o sítio, o pequeno bairro
Onde estou, vivo e despercebido
Sou igual a todos os outros.
Sou o autor de muitos encantos
Esperança, sonhos, ilusões
Que correm de mão em mão
De boatos e invenções sem alarme
De realidades pacíficas
sem exaltação
Eu sou o autor, aquele que cria
Espalha a semente
E segue em frente.
Se me esquecerem, tanto melhor,
Hão-se arranjar quem queira ficar
Candidatos não vão faltar
Aqui chegado, despeço-me
Apresento cumprimentos e aceno
Obrigado.
Bom almoço, melhor jantar
Que a poesia e a literatura
Também se comem e são alimento.
Tenho uma roseira junto à janela
Que de manhã acorda orvalhada
Esteja o tempo que estiver,
Na paisagem que lhe serve de olhar.
É uma roseira com rosas encarnadas
Folhas verdes como toda a natureza
E espinhos pontiagudos, aguçados
E eriçados, que não se deixa podar
E ao mais pequeno toque grita:
sentinela alerta!
Defendendo o bastião da janela
Para onde fugiu, num dia que com ela
Quis conversar. Alerta está! Respondo.
Entre a porta e a janela mantemos
Uma distância respeitosa
Deixo-lhe água, alimento e luz
E ela desdobra-se em florir,
Esperguiçar os braços
E tornar os meus dias felizes
Com o aroma que emana.
Quem se atreve a uma intrusão?
É roseira de guarda, fiel como um cão
Experimentem colocar lá a mão.
Já a apanhei num sobressalto
Falando com as andorinhas
Enfim... Devaneios... coisas minhas.
Pretendemos
Apenas
Que não sejamos
Ignorados.
Hoje, amanhã,
Sempre!
Ignorar é morrer
Não!
Não podemos ser
Ignorados!
Inquieto, despertei com um barulho estranho
E fui à janela. O céu estava escuro de um tom azulado
Havia as luzes da cidade e um semáforo mudava de cor
Entre o verde e o vermelho, sem novidade.
Fiquei ali um pouco a olhar, sem pressa de recolher
Quando um risco amarelo, pirilampo, vaga-lume,
Ou outro nome qualquer, se moveu como um cometa
Abrindo fenda no céu, com um rasto de poeira associado,
A cauda de astro que se move, como aprendemos
com os astrofisicos que sabem destas coisas.
Havia um ruído de trânsito associado, um rodar,
Um esmagar de asfalto pisado atirado contra as paredes
Dos amparos acrílicos do autoestrada, que perimetram
A circulação.
Depois, sem aviso, todo o som parou.
E, enquanto o risco no firmamento deslizava nada se ouvia.
O viajante, prosseguiu em tons de amarelo, roxos, lilazes
E até alguns vermelhos incendiários uma rota eliptica
Descendente, circular. Não! Ali não existe nenhum porto.
Voa baixo, quase ao nível dos Telhados, por cima das casas
Planando como um balão, mas com uma direcção paralela
E depois, sem se dar por isso, afasta-se. Desaparece.
Ilumina-se e apagar-se!
Fecho as cortinas.
Adeus OVNI. Boa saúde. Dia feliz.
Foi o meu irmão, de um outro planeta, que me veio saudar.
Sorrio. Se contasse, ninguém ia acreditar.
Estamos a pôr o lixo na rua
A renovar as casas a fazer merda
Todos os dias.
Estamos a mudar a pele e o hábito
Estamos a parir Monos, lixo
Tudo o que sobra dos excessos
E ficamos imunes ao momento,
Minimalistas, prontos para voltar
A ser recoletores, consumidores.
O lixo é abandonado, despejado, posto casa fora
Quem vier que recupere e recicle, que faça fogueira
Ou deixe estar. Há lixo em todo o lugar. Afinal...
Quando começa o "mundo novo" ou o "novo mundo"?
estou farto do chiqueiro
e dos porcos que nele habitam!
Estou farto.... Mas os porcos sempre foram... Porcos!
Não! O mundo não vai mudar.
Exausto... Experimento não respirar durante dois minutos
Claro que faço batota, enganar é uma arte, prestidigitação.
Resisto, passo o teste mesmo sem ventilador, estou apto.
Sigo para o vestiário, procuro a farda que visto
Recebo a arma, as balas, verifico o cantil e a ração
Coloco a máscara, a viseira nocturna, luvas de maçon
O calçado é confortável e reforçado o ventre protegido
Estou pronto. Apurado. Junto-me aos meus na parada
A guerra vai (finalmente) começar.
Exausto... Ando sempre exausto deve ser por dormir pouco
Patrulhamos os caminhos da vida, atentos, vigilantes,
Eu e os meus camaradas em sintonia transpomos a margem
Que separa a normalidade da excepção. Temos dias loucos
Outros sem razão tornam-se fastidioso e indolentes.
Bebemos para esquecer e esquecemos que bebemos
Somos a guarda da retaguarda, a guarda avançada.
Somos o tempo que não passa e o esteiro que recorda
O tempo velho do antigamente ao presente.
Exausto... Somos o batalhão, que se perdeu e hoje regressou
Conservado, rejuvenescido por mágicas de feiticeiro amigo
Pronto para o combate. Que a nós, ninguém nos vence
Nem nos confina na caserna das inutilidades, somos o punhal
Que escreve, que pinta, que dança, que canta e dramatiza
E a paz alcança na explosão da batalha que nunca acaba.
Somos o pensamento, a ideia abstrata, a matemática,
A ciência, a tecnologia, o médico, o enfermeiro, o bombeiro
E em todas as profissões continuamos agricultores esquecidos.
Mas vivos.
Não me lembro se nada.
Foi o dia que passou, foi o tempo
Foi a madrugada enxuta, o dia raiado
Os soldados, o povo alertado, junto
Cansado, contente, eufórico, misturado
O povo que despertou e dançou
Obrigado uns a fugir, outros a vergar
Um povo que não se calou, nem debandou
Quando Abril nasceu e no povo se entornou
A esperança e o movimento avancaram
E o povo comemorou.
Não me lembro de nada, mas tenho recordação
De tudo.
(a réplica foi forte e veio de onde não se esperava
Mas todos os dias o povo madrugava. O maremoto
Foi vencido e o povo desconfiou que os cogumelos
Regressados do exílio estavam envenenados e votou.)
E em festa tudo acabou.
(que nada acaba, como se conhece, tudo recomeça)
Passou o dia das euforias, dos desacatos
Da normalidade assanhado da lebre fugida
O dia de todas as pandemias. Passou o dia.
E agora José?
Passou o dia e agora verifiquei que amei
E sorri e chorei, porque neste dia, que passou
Passei também. Passou o dia.
E agora José?
Que me resta para o resto do ano passar?
Recordar o dia e a luta e a esperanca
De que novo dia há-de chegar
Não para o ano, não para Maio ou Setembro
Mas amanhã, quando a madrugada clarear
Que todos os dias são dias de comemorar.
Eu ontem ramadei, vendo que os meus irmãos se abstêm
Na humildade da oração do Ramadão. Exemplo que destrói
Todas as veleidades de estupro à liberdade, igualdade e fraternidade anunciadas neste Abril ao dia 25 de cada ano.
Eu sinto verdadeira a fé.
Que não tenho, informo já,
Mas que dignifica quem a pratica
Sem usurpos sem espada
Língua afiada ou cutelo.
Ramadão laico em crescente grávido
Tal como todos os outros cultos,
hebreus, cristãos , judaicos, ortodoxos
(seitas, chás e mézinhas e os orientais também
Todos somos filhos de ninguém )
e a espiral do caleidoscópio na sua diversidade
Onde os crentes se sentem confortado.
Eu sou Ramadão eu sou o ponto original para onde todos convergem. Eu sou o que se enxameia sem ter nome.
E a esperança nasce e tudo rejuvesnece.
Eu hoje comemoro o Abril primeiro
A distância de onde venho,
A distância para onde parto.
Eu hoje comemoro o dia inteiro
Da liberdade, da igualdade,
Do sereno fazer com humildade
E de todas as comemorações
Sou o fim dos tempos que delego
O testemunho que transmito
A chama que há-de ainda incendiar
Quando Abril quiserem apagar.
Abril que se extinguiu em maio
E depois se suicidou como sátiro enlouquecido
Touro esporeado, demência e euforia satânica.
Abril que Março seguinte farpeou - cavalo à solta
Faça espetada no coração dos ingénuos
Que fizeram a revolução.
Eu comemoro os finados e agradeço por viver
Abril. Eu comemoro os soldados e agradeço
A esse povo imenso, a esse povo manso, revoltado
Mas honrado que fez o mundo girar, e dar lição
Que somos equilibrados e a mais velha nação.
Eu comemoro o meu filho de abril
Num futuro que há-de ser seu e dos que o amarem.
No ano 25/25
Se o Homem ainda for vivo
Estaremos a falar de flores
E de revoluções, como hoje
A festejar os anos do meu filho.
Abril será eterno!
Depois de tudo ter dito e feito
Fico sem assunto
Já nada mais há a tratar.
Estou pronto para ir para o "lar".
Espera aí...!!!
Também não é caso para tanto
Tanta crueldade, e vingança,
Meu santo apóstolo que me redima
Mas, não vou aceitar,
Alguma coisa se há-de inventar
Então e agora...
Que tudo está ( de novo) a começar
Aqui... sim aqui e em todo o lugar.
Branco.
O horizonte está branco.
O sol está branco e tudo parece da mesma cor.
Branco de leite, de roupa branca lavada,
Branco de todas as cores.
Não!
Há um despontar, leve, tímido, por baixo,
Em verde. Diversos tons de verde.
Ouço um rio que corre... Agulhas nos pinheiros
Apontam para o branco do céu que se esfuma.
E fica só uma neblina. Uma rede muito fina
Já não branca, mas transparente,
Que em segundos, alguns instantes depois
Muda para purpurina.
E quando reparo, já não há luz, nem branco
Ou outra cor qualquer. É apenas noite.
Acho a mentira porreirinha, fofinha.
Afinal a um autor, um escritor...
Não se pede a verdade, mas que seja criativo
Inventor, que minta com sinceridade.
A mentira é menina, coisa pequenina,
Do tamanho de todas as coisas do universo
Que depois crescem.
Sem mentiras não há verdades. Falta tudo
Comparação, equidade, arresto da discussão
Até mesmo a confusão de saber onde está
A diferença, que torna verdade a mentira
E a mentira verdade.
A mentira é uma capa que nos imune
Que nos proteje da realidade
Mentirosos os que mentem, cativos
Da sua doença, compulsivos enfermos
Que se perdem no areal do delirio
Porque deles será todo o reino
E toda a nudez.
A mentira é um afrodisíaco, tem perna curta
E tendo a mutação do camaleão, quem mente
Tem razão. É uma solução! Uma erecção!
Depois desta reflexão, continuo a achar a mentira
Porreirinha, fofinha. Uma debilidade, uma vocação.
E mentindo engano e me escondo e deixo de ser eu
E não descubro, quem sou. Ou quem fui.
Tudo à volta de nós é falsidade. Mentira, ou verdade?
Digam-me que não é verdade...
(Suspiro)
Digam-me as coisas que quero ouvir
(soluço)
Digam-me que sonho e que morri
E agora vou voltar a ver o mar
(o meu pai, a minha mãe, a filha querida
Todos os que amo)
Digam-me que é mentira que nada houve
E foi delírio, febre e anestesia que correu mal
Comboio que descarrilou, mas isso acontece
Digam-me que o amanhã há-de amanhecer
E os pesadelos, as angústias e as tormentas
Esqueço.
Descansem-me. Façam o favor de me acalmar
Eu quero ter forças para aguentar.
(suspiro, soluço)
Digam-me que fui e voltei e no caminho
Nada vi, nada encontrei. Isso testemunho
E por isso me sinto culpado.
Digam-me que o mundo e a sua razão,
A possível justificação, estão fechados.
Não compreendo.
Não tenho olhos nem vejo.
Não compreendo.
Sinto apenas falta de tudo e choro.
(Suspiro)
E choro.
Há um silêncio de bigorna
Que me incomoda
Que não sei explicar.
Um silêncio que mata,
Que esmaga
Um silêncio que corrói
E se cola à pele.
Um silêncio que tortura.
Sacudo o silêncio
Mas este permanece
Onde estou?
Que silêncio é este?
Nem vento nem movimento
A cidade está morta, sem ruídos
Há apenas uns papéis no chão
Ferrugem nas janelas,
Um só candeeiro aceso
Estilhaços, vidros partidos
E robots de apanha do lixo
Desmantelados.
O silêncio refulge e é pesado
Agrilhoa e não deixa respirar
O silêncio persiste é tudo em volta
Não tem cheiro, nem sabor
Nem sei se existe. (eu ou o silêncio)
Silêncio... Silêncio.
O segredo é importante para a nossa individualidade.
Segredos que nos fazem bem, que nos dizem que somos únicos
E também que sabemos o que só nós sabemos.
Segredos de íntimos nunca revelados, segredos de desacatos
De amores proibidos, de aventuras que fizemos,
Ou gostaríamos de ter feito. Segredos de culpas e de receios
Segredos de termos chegado aqui sem ajuda e sem medo.
Segredo de querermos continuar, negando, recusando aceitar.
Os segredos são capitais guardados em baús do tempo
Alguns que já esquecemos, outros que sempre lembramos
Que queremos contar, mas que nunca houve quem ouvisse
E ficam armazenados num espólio que desaparece
Logo que o corpo deixa de ter segredos e parte sem nada
Para o segredo que nunca ninguém revelou: o depois,
O amanhã, o que há-de voltar a ser e segredos guardar.
Impossível! Diz o céptico. Todos os segredos são revelados
Possível! Diz o ilusionista, o segredo é magia, truque, pretigitacão
Dissimulação de artista, ocultação.
Os segredos são apenas aquilo que não sabemos,
O desconhecido, o que não experimentamos,
O que fica em nós, depois de despido o que os outros vêem.
O segredo, somos nós.
O elevador pára, saío no primeiro andar.
O elevador pára, saio no segundo andar.
O elevador pára! agora vou entrar, subo,
O elevador pára, agora vai descer, e apeio-me
Agora, quem vai a subir é o monta-cargas
Já não sei se devo entrar ou sair.
O melhor é ficar, quantos pode transportar?
O elevador funciona como um zip com molas
Sobe e desce da cave ao terraço na vertical
E vai e volta e torna e regressa e já cá está.
O elevador, do saguão, do chão ao Pentecostes
O elevador que nos abre as portas, para entrar
E nos mostra um espelho, um tinir, em cada andar,
Com um grito de ganchos e uma música suave
Num solavanco, num emprevisto, fica parado,
Entre duas paredes, confinado, avariado.
O elevador continua a trabalhar, depois de arranjado.
O elevador vai subir, o elevador vai descer. Obrigado.
Os meus links