Um dragão subiu para o espaço...
Hoje, ante-penúltimo dia de Maio.
Foi emoção, após uma primeira vez
Que o tempo adverso anulou
Criando expectativa.
Eu vi!
Hoje, foi possível romper fronteiras
Há muito seladas, erguer o cone do nariz
Em labaredas de fogo e seguir...
Seguir... Seguir rumo ao espaço.
Recuperar os propulsores, ter ciência
Design, estética e eficácia.
Hoje, eu vi que o mundo avança
Enquanto tumultos e vinganças fervem
Na mesquinha aldeia da Terra.
Onde uns se engalfinham e abatem
Outros se diluem no lixo das cidades
E estes se separam rumo ao espaço.
Duas horas da manhã
O carro do lixo pára à minha porta
E retira os cadáveres do contentor
Depois, arranca em velocidade.
Logo depois uma viatura
"de caixa aberta"
Recolhe os móveis, os "Monos"
Os trapos, embalagens e vidros,
Fica a mudança feita.
Limpam o local, plantam-se batatas
(as doces, que as outras são semeadas)
E na rua, no empedrado que restou
Uma mangueira lava o sangue do acidente
Que não tendo acontecido
Por os protagonistas terem chegado atrasados
Suja o caminho que é de bois em esplanada.
Uma luz azul giratória dá cor e realismo.
Finalmente,
Bombeiros, ambulâncias e curiosos
Destroçam!
Fecho a janela.
Vagas de gente arrastam-se em soluços
Com a cara tapada
Costas encurvadas
Dirigem-se para lá do horizonte
Embora eu creia que andam em roda,
Que nos vão aparecer pelas costas...
Outros correm, ultrapassando, fintando
Escorraçando, para trás, silêncio e uivos
Deixando rastos de suor, odores e poeira
Do lixo que as sapatilhas levantam...
Mais ao fundo os idosos, perseguem os segundos,
(logo a seguir aos primeiros vêm os terceiros)
Orgulhosos de afirmarem a decisão de não terem
Que competir porque a vida lhes dá esse benefício
E os convida a serem tutores dos incautos
Dos apressados e dos ingénuos.
Num outro patamar, estão as gentes que se imobilizam
Que não reagem, que observam e se interrogam,
Para onde ir? Que fazer? Como construir o depois?
São vagas, ondas encapeladas, vírgulas assustadas,
Que por aí vão...
Surfistas pedem recurso e apelação.
Sim, os assassinos estão entre nós. É preciso esperar...
O tempo elimina os inaptos, mata os enfraquecidos
Mas também destapa e identifica os cruéis, os malditos...
Identifica em azul e vermelho no rastreio
Os sem dono e os vermes disfarçados de... humanos.
Na mistura apocalíptica da extinção um ruído telúrico
Inunda a amálgama de enxertias em bando.
A festa acabou.
Morte por exaustão!
FIM!
Levo a mão à cara e estranho a barba,
Um conjunto de pêlos enrodilhados que cresceram
Durante a noite sem que desse por isso
Uma areia relvada que me cobre o queixo
Tapando os lábios, descendo da cabeça,
Escorregando até ao pescoço e emaranhando-se
Para os lados das orelhas como uma máscara
Saíndo da pele e deixando os olhos lá ao fundo
Encovados, numa cabeça oblonga de melancia
Que tenho a leve sensação de ainda ser a minha.
Estranho a transformação e o que me dizem os dedos
E a mão aberta, tateando nos fofos alpendres da cabeça
Rodeada por um halo de invisível atmosfera que sinto
A toda a volta... ao mesmo tempo que...
Algumas agulhas mais duras me ferem a mão.
São espinhos, espetos e lanças que cresceram mais soltos
Mais compridos, desmesurados, como setas eriçadas
Protegendo o amplexo da barba que serra fileiras
Agarrando-se à cara, dobrando já como carapaça a queixada
Que deve estar por ali, mas não encontro.
Sei que tudo o que tateio é preto e branco.
Sem saber como o sei, apenas que o percepciono.
Procuro um reflexo, aponto a câmara e tiro uma fotografia
Estou nu e na imagem que se revela sou esponja
Água e alga de serpente, boca de sapateira.
Medusa se quiserem perceber a comparação,
Num crãneo calvo - que absurdo - a crosta do universo
E a plêiade da pangeia.
A minha barba de segunda feira!
O lixo está cheio de caixotes,
Não! É ao contrário,
Os caixotes estão cheios de lixo!
Os caixotes?
Bem, quero dizer os contentores.
De lixo e velharias de detritos
E todas as porcarias
Deitam todo o lixo, para o lixo.
São o sumo espremido da sociedade
Boa merda, essa verdade!
Sim, a porcaria não tem idade.
Finalmente o calor
As águas salgadas
O bacalhau... Ups!
Desfiado
(em punheta, como antigamente)
As saladas frescas
A maionese e o marisco.
Finalmente,
A bebida com a cor das rosas
Um tinto
Com as sardinhas
Chapéu em cima dos olhos
Corpo transpirado
Aquela sensação boa
De embalo e de fuga...
Finalmente o calor.
Calções, camisa aberta,
Sandálias e persianas corridas
Para uma sombra fresca
Debaixo de uma árvore
Enquanto tudo em volta torra
E se derrete e evapora.
Finalmente vejo as formigas
No seu desassossego
E peço uma fresquinha com salada
De pimentos, pepino, tomate,
-outra, por favor!
Morro de sede e de saudade
De uns caracóis assados
Das tuas pernas nuas
Do espelho dos teus óculos
E também do sol no nosso corpo
E também de todos os verões
Que não vivemos
E daqueles que ficarão por chegar
Depois que a nossa vida
Adormeça
no aconchego de uma tarde de Verão
ou de uma outra tarde qualquer
Como é inevitável
(não precisamos de ser adivinhos
apenas secos ao sol.)
Espero que as águas desçam
Que a luz seja dia
E no vento que a névoa esconde
Espreito a minha vida
Pelos olhos de um reflexo.
Depois,
Não sei se existe depois.
As pessoas na serra
Olham-me desconfiadas.
Alabardas!
Sísifo!
Sinais de caminhos
Por onde não passa ninguém.
Peço ajuda,
Mas, toda a natureza
Me ignora e continua a ser,
A se transformar,
Como se eu não existisse.
Se calhar tem razão.
Sou apenas o olho que reclama
A criação que se tolheu
A energia que não se libertou
Sou a rocha que se descasca
E a recordação dos antigos.
Apesar do medo
Vejo-vos passar.
Despeço-me desfolhando
Pálpebras.
O vazio não existe.
Está lá o medo.
O vazio não existe
É um buraco cheio
De felicidade
Se o soubermos usar.
O vazio não existe
Logo que
- por impossibilidade
Acontece - vem o sol
Preencher o lugar
Espantando o medo
Afugentando
O desconhecido
Mostrando que
O vazio não existe.
O vazio é tão minusculo
Que nem sonhos lá cabem
Apenas o deserto preenche
O espaço que assim...
Já não está vazio mas cheio
De nadas.
O vazio não existe
Se nele colocarmos
As nossas vontades
Esperanças e forças.
O vazio é utopia
E negação.
Exemplo de oposto
Oportunidade
Ficção.
Sim, que a ficção é
O encantamento
De não sermos confrontados
Com o tédio da realidade.
Cada um de nós
Apenas tem de agradar a si próprio
Ou pelo contrário
Tem de agradar aqueles que o rodeiam?
Pergunto. Interrogo-me.
Faço-me pedinte de opinião.
Os sapatos
Já lá vão
Andando
E eu ainda aqui.
Esperem por mim!
Também vou
Sigo-vos
Esperem..
Sapatos que fogem
Deixando os pés
Para trás.
É que eles -
Os sapatos-
São novos
E eu,
Não!
Já não!
Já fui sapato,
Andarilho
Calcado de primeira
Luva
Caminhante,
Agora, sem sapato
Os pés a doer
Fico parado
vendo
Os sapatos
Caminhar sem mim.
Foi destino
Foi castigo
Foi assim.
E agora
Que as manhãs se apresentam cheias de nevoeiros
E agora
Que há um fresquinho gelado no ar e uma roçadora de frio
A ceifar o ar e os contornos do nosso corpo
E agora
Que as andorinhas cruzam o espaço riscando os céus
E as árvores despontam em folhas ericadas ao alto
Numa penugem que vai crescendo e engrossando em copa
E agora
Que a luz se lança sobre toda a vida terreste
Constituída por:
Aranhas, caracóis, abelhas, formigas e sapos
E agora
Que o passado passou e o hoje entra em erupção
Embalando-me nos sons de uma valsa,
Nos ecos de um batuque, nos ritmos
De um bando de pássaros e de uma serenata de águas
E agora que
Estou aqui e agradeço ser e estar,
sinto-me feliz.
O horizonte como lugar de convivio
E o longe como objetivo a chegar
O confim inalcançável
e a vida aqui em colmeia...
Outras vezes em voos imensos solitários
De pensamento.
Não tenho a certeza, mas é provável que sim.
Quem tem certezas? - ah! Claro, os indomáveis,
Os que têm sempre razão.
A certeza é uma verdade tão absoluta que não se discute
Obedece-se!
Outros flutuam entre o curioso, a afirmação e a correta
Ponderação entre o possível, o provável e o pressuposto
E mesmo demonstrado ficam com dúvidas .
É provável que sim, é provável que não!
Tenho dúvidas que na dúvida, me fazem certezas
De nunca conhecer a verdade.
Afinal, a vida, não é uma realidade é uma ficção
Um guião encenado, uma actuação premeditada
Uma história com mil poliedros e linhas mágicas
De repouso,
prisão,
axacerbamento,
meditação,
Roubo,
bandido,
ladrão
e asceta de excessos
Por maioria de razão.
Tudo muito bem consignado. É provável que sim!
Um peixe de rio apareceu a voar no meu rio açor
Mas, os peixes não voam, disseste tu.
Isso é o que tu pensas! no meu rio do açor os peixes voam
Sobem as águas, saltam, caminham contra a corrente
E deixam-se ver debaixo de um céu estrelado
Por entre fragas e penedos translúcidos
Em águas frias, em poças elevadas, procurando
(e conseguindo) rumar ao início.
Os peixes das minhas águas doces, em Rio
De montanha, lá onde espreita o açor, o gavião,
O milhafre e o tartaranhão
Voam e saracoteiam, bailam e volteiam
Semeando vida, nas águas que se agitam
Como lençóis de alva serenata de amantes
Em descida para a Foz, que, aqui é ali,
Abre os braços em fluvial espraiamento.
Este é o tempo do recomeço.
Do assoreado mundo da vida
Do esplendor que não pode ser negado.
Aqui, onde tudo da água se transborda
E se transforma. O açor plana abrindo as asas
E o peixe, esperguiça-se, sacudindo o corpo
Formando o salto, ganhando balanço no impulso
Voando os dois: um no alto outro no chão.
-Nunca tinha visto!
-Precisas de ter mais atenção!
O passado terá realmente existido?
Onde estava eu quando o passado passou?
Certamente distraído a pensar que o passado
Nunca haveria de passar
E eu ficaria sempre a beber o perfume do teu amor.
Mas o passado cavalgou, fez-se rebelde, chama
E no algoritmo da vida passou e tudo mudou.
É da natureza. Dirás!
Concordo que viver longamente tem dificuldades
E do tempo que passa, do que passou,
Tenho saudades.
Não, que as quisesse voltar a viver.
(o que passou... Passou)
Mas porque fico sem a certeza de que tenha sido eu
Quem esteve lá. Quem viveu o que só eu vivi.
Porque agora sou outro.
E esse outro começa todos os dias, sem passado
A viver enamorado.
A procurar passar, futuros passados.
Perco fotografias
E o desejo de estar contigo
Onde coloquei a cabeça?
Perco o que não tenho
E não sei onde deixei de ser eu
Para me perder.
Num pequeno espaço de tempo
Perdi as certezas e a individualidade
E não encontro - não sei onde deixei
O corpo e a alma que ainda agora
Estavam aqui.
Dão-se alvíssaras, como antigamente,
A quem me encontrar.
Nunca tanto me perdi por sonhar
E agora que me quero, não me encontro.
Não diria tanto,
Nem diria mais
Diria oportunidade.
A vida que se faz vida quando sabemos esperar.
Nunca igual,
Mas em regresso, em duplicado.
Em versão continuada.
Às vezes. Por vezes.
De vez em quando
Que na vida nada é certo.
Mas.... Tem vez em que acontece.
Não diria tanto
Nem diria nada
O melhor é saborear e ficar calado.
Há um sol que bate cheio nas minhas vidraças
E a manhã explode em mil fragmentos de luz
Na cal que devolve o branco aberto em flor raiada
Coada por uma rede fina de dia lavado.
Há um sol que se estende pela parede num abraço
E muda o mundo para todas as cores
Numa saudação de exuberante exaltação.
Num repente... o horizonte acordou
E avista-se para lá do mar, para lá das montanhas
Para lá do sonho e vamos onde queremos ir
Sem limites, sem esforço, sem medos.
De repente, o dia.
Os meus links