Sou masoquista
Gosto de bofetadas
Viajo na tap
Pago impostos
E faço voluntariado
Gosto muito de ser parvo
Adoro ser masoquista
E acredito na justiça
Além de que
O meu clube vai ganhar
O campeonato
Este ano e no próximo,
Sim, tenho juízo!
Acredito que #vai ficar tudo bem#
E a economia vai recuperar
Já avisto os turistas a chegar
O meu nome é 19
Covid-19
(ate já encontrei um culpado para a praia da luz
Quando o último sair, a luz apagar-se-à, automaticamente,
Os sensores não falham... até lá haja alegria)
Creio nos homens e mulheres que nos gerem
E nas suas decisões sábias.
Quando deixar de ser masoquista serei regente
De orquestra e dealer de amores proibidos,
Aprendiz de sexualidade religiosa e castidade grupal
Porque na vida o swing é vegetariano.
Dança comigo que a crença em melhorar é cega
E o prazo gravado na embalagem dos yogurtes
acaba amanhã.
Estou rodeado de policias
De seguranca
Da guarda
Da autoridade que tributa
Maritima
Municipal
Militar
Proteção civil
A vizinha do rés do chão
Bombeiros
Do trânsito
Nadador-salvador
O vendedor das bolas de berlim
Como informador (polícia disfarçado)
O cobrador do transporte
O revisor do comboio
O vigilante do supermercado
O segurança
A puta que os pariu.
Todos me controlam
E sabem o que faço.
Onde ando, para onde vou.
70% da população e policia
A outra é prisional em condicional.
Fecho a janela e apago a luz
Deito-me com a mulher do youtube
Com a aplicação xpto
Com a cara de livro
E ainda sou vigiado pela luz do telemovel
Que pisca em azul
Como qualquer carro da polícia.
Na corporação tenho a patente de acossado
Técnico superior voluntário.
Não se pode confiar em ninguém.
É domingo, de novo,
O que acontece, todas as semanas
De seis em seis dias
E não tenho melhor forma de explicar
uma vez que sempre me surpreendo
Domingo, outra vez.
Já morreu meu pai. Já morreu minha mãe.
Domingo.
Toma lá domingo, outra vez.
E o meu filho que ontem era pequeno e hoje...
Continua a ser,
(que para os pais os filhos nunca crescem.)
Toma lá domingo, outra vez.
Parece um xarope, uma doença crónica
Uma carraça ou uma nódoa que não sai.
Domingo!
Mas, estava eu a dizer-vos isto, quando
Ouço os mamutes que se levantam
E em manada seguem as pegadas, uns dos outros
Em sons compassados, secos, ocos, ribumbantes
No apartamento ao lado, na casa, lá da cidade.
Só no meio do casario é possivel ouvir o som dos mamutes
Sentir a sua inquietação, o desassossego, o restolhar
Eles sabem que são - ali, na cidade - uma aberração.
Deixo-lhes amendoins junto da porta de entrada.
Não são só as pombas que precisam de ser alimentadas.
A cascável do terceiro esquerdo veio roubar o leito do gato
O aranhiço do sotão reparou as fissuras do prédio ,
Usando a técnica dos paraquedistas,
descendo à cave preso preso por cordas.
A lagartixa tem cá o seu namorado e hoje é dia
Do veado andar com os cornos no ar, há missa no sobrado
E o domingo tem o rosto de um tratador de leões do circo
De um cigano que estende na lona,os produtos para venda
Na feira. De presbiteros que reunem a congregação.
As flores e as crianças não sabem que é domingo, e por isso..
São as unicas que permanecem felizes.
Esta noite
Choveram plasticos
Na minha rua.
Os canteiros estão cheios de lixo
De papéis, garrafas velhas
E dejectos de cão.
Foi uma noite terrível.
Agora, que amanheceu..
Há um cheiro a ovos
A omolete a ácidos pútridos
A vermes
A legumes e mamiferos
Em decomposição.
São os restos da festa de ontem.
Frutas fermentadas ensopam
As vísceras que em serpentina
Repousam em estilhaços
Nos intersticios do fogo-de-artificio
Que se extinguiu logo que a noite
Deu por finda a sua respiração.
Os sulfuretos do estertor
Ainda borbulham e eclodem
Como rosas radioactivas.
Lá longe,
A erva cresce alimentando-se
De ácidos
Os resineiros espetam seringas
Para as árvores cresceram
Nas veias roxas das raízes
que calcinadas ainda sobrevivem
Como regatos de urina.
Esta noite
choveram plásticos
e balões
E o chão ficou esburacado.
*
Quem me disse foi o senhor João
Que não é santo nenhum
Se calhar, até foi ele que ateou o fogo
Que carbonizou a humanidade.
Uma desgraça assim, não nasce e se faz
Sozinha.
sim, vocês são culpados!
Sim, nós somos todos,
culpados!
*
Sei que não devo dizer,
Escrever,
Sequer pensar.
Sei que o homem-bom
É o que fica calado.
Dizer disparates é um sinal
De inteligência, de erudição
Até pelo contraditório
Que permite audiências.
Sei que o calado
Tem sempre razão. Dizem!
Embora discorde,
Porque na dúvida
Sei que o calado é um idiota
Sem opinião.
Esforço-me por não pensar
Por não dizer, opinar, emitir parecer
Abstenho-me de ser compulsivo
E alcoólico das palavras.
Fico na turbulência das trovoadas
Encolhido, como se não existisse
ignorando a ausencia da afirmação
Porque desnecessária e irrelevante.
A vida é um silêncio
Feito de tempestades
Uma escrita feita de todas as palavras
(misturadas, repetidas, alinhadas)
Uma tela com desenho e tintas
Construída com todas as cores, riscos,
Espaços, subtilezas e nuances das galáxias.
Sabes amor, deixa-me tratar-te assim,
Nas galáxias o som não se propaga,
E por isso, nada digo.
Há uma confusão que remoinha sem rumo
Dispersa a razão e empurra-me para o espanto
E a estupefacção.
É uma confusão que poderia catalogar como desorientação
(se ainda houvesse arquivo ou ordem de catálogo )
É ausência de coordenadas, turba em debandada.
É eliminação de referências, de âncoras, de boias
Num ápice tudo foi tornado igual e remexido
É finalidade que não se descobre sentido.
Confusão é isso mesmo perder lógica e ordem.
Confusos todos os átomos se agitam e flutuam
Sem saberem onde pousar, que partes da matéria são
Que função lhes está distribuída?
A antiga ordem terminou. Todas as leis da física cessaram
O etéreo é o imaterial espantaram-se com a mudanca
E a brutalidade dos embates e impulsões derradeiros.
Definitivos e aterradoras porque desconhecidos.
Confusão e desorientação, caos e regresso a um indefinido
Antigo, natural e inicial começo.
Ter uma cerca a toda a volta
É redil.
É prisão, campo de não fuga
Desconfiança, imposição.
Por vezes tem de haver coleira
Reconheçamos,
Se possível no dono do cão.
É por isso que não me encontram
Por aqui.
As manadas e os rebanhos
Empurram-me para fora do redil
Para longe do enxame
Para fora do cardume.
Descercando a cerca.
Passando ao longe
Sem a proteção das ameias
Afastando-me das muralhas.
Espantados?
(domesticados)
Vou com os pássaros
Voo com os pássaros
Em bando.
Em cercas desnatado.
O verão chegou com uma toalha de poeira
Que cobriu toda a cidade.
Primeiro como um leve sacudir, depois em tempestade.
Despejou areias por cima de todas as casas
Ruas, jardins, praças, monumentos
E em poucos segundos, horas ou dias (as versões variam)
Tudo ficou soterrado.
Sobram pequenos caboucos, bocados de muros
Estátuas derrubadas e Telhados abatidos com buracos
Donde saem fumos. Toda a vida ficou dentro, no fundo
Lá em baixo...
... Esconsos... escombros com escombros.
Não há sobreviventes.
A cidade ao longe, vista da outra margem
É uma enorme pirâmide com um castelo numa das faces
Um imenso deserto de cristais onde uma ponte se espeta
Uma praia que do rio se eleva para as colinas em dunas
E onde nada mexe. (vão ali dois aranhiços, uma siri-chita)
Nada mais. O silêncio é tumular.
O vento parou.
Os barcos que estavam a chegar, deram a volta e zarparam
Os aviões rumaram a outras cidades ainda longe, a distância.
E os comboios e carros, imobilizados, fizeram longas filas nas linhas interrompidas em todos os pontos cardeais que convergiam para a cidade.
Tudo foi impossível.
Depois um sol bailou.
Hoje não morreu ninguém.
Apenas indigentes
Barbeiros e velhos asilados
Se foram.
Ora, esses não contam,
As estatísticas não se comovem
E os gráficos não registam
Números que não têm importância.
Os heróis dos sonhos tristes
Dos sorrisos abertos
E das vidas de mentira
Ganharam mais um dia de vida
E continuam felizes.
Hoje não morreu ninguem
Porque era domingo
E aos domingos a morte retrai-se
Ameaça, pereclita, mas hesita
Não se pode estar a morrer
Todos os dias...assim em desenfreada.
Hoje não morreu ninguem
Amanhã logo se verá,
Pode ser que morram as sobras
E a estatística duplique.
Pode ser que a curva seja erecção
Disparo ao alto, flecha, punho
Pode ser que haja dedo levantado na verical
A puxar para a desgraça
A mandar-nos foder a vida
Pode ser que a morte não esteja
Acanhada, envergonhada
E não se fique pelo planalto.
Amanhã,
É tudo ou nada.
Pode ser que a morte me diga:
-É, tu aí, anda cá!
O que andas a fazer aqui, desavergonhado?
Conta-me uma história...sobre algo
Que eu ainda não saiba e... Diz-me aquilo
Que desconheço, o que julgues que
Tenho curiosidade em saber
Vamos ver do que és capaz.
Vá lá, rapaz!
Fiquei sem fala. Quase morri.
É tudo ou nada, pensei.
Virei-lhe as costas e fui-me embora.
Pelo canto do olho espreitei...
A morte sorria.
O actor, galã de novelas
E herói de enredos dramaticos
Que tiveram pouco público,
Matou-se!
Está no seu direito,
Não chateie com o seu sorriso
Com a sua arte e profissionalismo
E boa educação que todos elogiam.
Matou-se por causa de uma depressao
Dizem... Disseram... Consta.. Justificam.
Pois que seja.
O que me causa impressão é que peça
Aos amigos para tomarem conta dos filhos.
Ele vai ali e já não volta.
O actor sorri, como sorriem todos os suicidas
Como fazem todos os que estão nas revistas
E que deslumbram os incautos que vegetam
E gastam dinheiro para os alimentarem
Que figura fazem os fodilhões
As beldades e as convencidas de curvas
Deslumbrantes.
Que tristes e criminosos exemplos
Senhor presidente da República,
Senhor Primeiro ministro,
Depois vem-nos pedir contenção.
Tenhamos paciência, a vida não é ilusao
Teatro, cinema, romance, fotografia,
A vida é selecção.
Bye, bye
Não se esqueçam de tomar os comprimidos.
A praia é aquele sitio - ali - onde a terra mergulha no mar
Onde as águas se levantam e batem nos penedos
Onde por vezes há areia, outras pequenos seixos
Arribas abruptas ou enseadas a perder de vista.
A praia pode ser em meia lua, como uma bexiga
Ou em linha reta, com botões e caldeiras, poços,
Pedras, lapas e sedimentos fósseis em alvéolos
Acolhendo águas turvas, límpidas, frias ou temperadas
Com algas que baloiçam nas ondas, ao chegar.
A praia é só ali. Logo depois tudo é mar.
Para trás ficam as erupções do passado, os cumes
As altas montanhas de onde se entornam os rios
E para onde converge toda a vida que se deixa rolar.
Por isso, a praia é o destino natural dos que chegam
(dos que partem e dos que vão)
Dos que esperam e dos que se sentam no areal
A pensar ou apenas a repousar.
Depois das praias existem outros lugares
E outras praias, e outras gentes,
Tudo é novo e diferente, porque igual e antigo
Porque faz sentido.
Por favor,
Deixem de ser hipócritas.
Hoje morreu mais um escritor
Um artista, um cantor...
Então e depois?
Deixem de falar em percas brutais
E definhamento da cultura
Deixem de ensaiar desgostos que não sentem
E vergonha que vão tiveram
Enquanto no passado
Não lhes leram os livros,
Não admiraram a sua arte
Nem assistiram aos seus concertos.
Homens e mulheres
Poetas e romancistas
Actores, escultores,
Pintores, ensaístas.
Morrem, porque todos os dias morremos
E todos os dias se fermentam outros
E se celebram os que foram
Com a mesma ousadia ou o mesmo elogio
Com que saudamos os que chegam.
Nunca leio livros por empréstimo.
Cada livro sou eu e o autor que o escreveu.
Só nós, ambos, juntos em sintonia e cumplices
Cada livro é o mundo e é meu.
Obrigado!
Aos que morreram, aos que morrem
E aos que hoje nascem.
Tudo está ocupado.
Todos os buracos e todas as frestas
Possuem gente
Que se debruça,
Se esgueira e se consome.
Não há sitio para onde ir,
Em todo o lado
Alguém chegou primeiro.
Afasto-me, divago, aguardo
E... Nada acontece.
Não consigo uma esquina,
Uma alteridade,
Uma opção de bipolaridade
Tudo é contínuo,
Zona cheia sem vazios.
Estarei em excesso?
Onde foi que me enganei
Quando quis ir à varanda do ginásio
Ao alpendre do miradouro,
A janela da imaginação.
Onde foi que errei?
Hoje andam, por aqui, as lagartas do desejo.
As brincadeiras da sedução.
Uma mulher passeia o cão na rua
Cruzam-se adolescentes em galhofas soltas
Homens com tatuagens fumam às portas do bar
E um rancho de velhotes ensaia cara fechada
Para ver se assustam as crianças que correm
Em bicicletas, em trotineta e em skates
Refulgindo e salpicando a vida com sol
Risos , gritarias e choros de trambulhão
Que logo são esquecidos
Em algazarra, patifarias e bulhas pelo chão.
Magras como carapaus, gordas como sardinhas
Loiras, ruivas, brancas e pretas, outras asiáticas
As ruas estão cheias das mulheres da minha vida.
Se eu fosse o outro,
Aquele que não sou,
Amá-las-ia sem receio de pecar, sem medo de ser promiscuo
Sem licença ou benevolência.
Como se tudo fosse uma coisa natural e consentida.
Assim, fico-me pelo desenho de escrever palavras
E desfolhar a sua passagem no dicionário da esplanada
Onde, meu amigos, me encanta a vida.
Mulher que respira sumo
Que é fumo
Vento de faces maduras
Onde as areias já deixaram marca.
Mãos com dedos finos
Olhar acutilante, cabelos revoltos
E boca em uva -
Todo o corpo em cacho -
num pescoço de pêssego
Com penugem de marmelo
E em forma de esplendor
Que apenas posso dizer...
...que é solar.
Mulher que encontro na esplanada da vida
Na maternidade da criação,
Rumo à arte e ao belo,
à perfeição
Traço do criador.
Escrita, tela, desenho
Ou aguarela
Que se compõe em reflexos de água
Para descobrir a capacidade do êxtase
Em nuvem nua, de orvalho difarçada,
Essência da beleza na silhueta da sombra
Que é esteiro,
Hino e serena confiança.
Afirmação de mulher.
Intuitiva. Natural. Sagrada.
Definitiva.
O motorista esqueceu-se de tirar a mangueira
Do ânus traseiro do carro
(desconheço se também possuem ânus na frente)
Quando na bomba fez o reabastecimento da viatura.
Saiu arrancando a bicha, a mangueira e o que mais
Seguiu atrás: vísceras, gazolina, borracha queimada,
Um estampido, uma puchada e salto em esticão.
Distração... Disseste.
Onde estavas com a cabeça?
Porque é que aquilo tudo não explodiu mandando
Para o caralho a tua distração?
És muito distraída, muita dada a confusões.
Santa Barbara de Nexe nos valha
E vê se te mexes
Que te afogues e te incendeies e desapareças.
Gente assim, não faz cá falta.
Incinera-se e pronto. Por cima coloca-se um creme
De cremação
Tipo bolo de arroz. Cereja, ginga ou cigarro aceso no cu
Que absurdo!
Tantos anos de evolução e depois dá nisto
Bêbada a andar de gatas no chão.
O motorista é que tinha razão. Deixa que eu conduzo!
Termino a leitura de um livro
Já morreram todos, já todos foram à enterrar
Triste desfecho, tantas páginas e aflições
Para acabar tudo morto.
O autor escreve bem.
É claro, sucinto, usa as palavras para mexer
Connosco, com os personagens, com a vida,
Mas exagera estraçalhando tudo e todos
Deixando-me arrepiado triste e desconsolado
Gostava mais de um fio de azeite a crepitar
Lambendo as páginas, sem fazer mal, porém...
Tudo ali é mecha, explosivo, tubarão no mar
O autor não deixa ninguém escapar
É torcidário, filho da violência e matador compulsivo
De chacina em chacina vai somando fuzilamentos,
Suicídios, sovas, porrada e com água ou veneno
Todos morrem por um acaso, uma desatenção
Em percalços e bulhas de famílias às avessas.
Vou deixar que o retrato se apague da memoria
E que o escuro da ficção seja um mau momento da criação
E alguém sobreviva para contar :
Sim o mundo por vezes é assim!
Depois da missa,
O som, sempre igual, monótono e constante
Arranca devagar... Pára, continua, acelera, volta a parar
Arranca em soluços, suspira, tem intermitências,
Salta em decibéis iguais, uiva aflito,
Continua em esticão e vai-se prolongando pela manhã
Como uma lâmina que separa as horas e limpa as terras
Hortas, canteiros com flores, árvores de fruto,
Matos selvagens, ervas eriçadas, urze, rosmaninho
Todo um novelo de fios que se entrelaçam no verde
Salpicado por azuis, amarelo, roxos, brancos e violetas.
Ramos, pernadas soltas, ervas e arbustos decepados
ficam em monte misturador com molhos de caruma.
Algumas pedras saltam e rolam escarpa abaixo
Em cardume, em bando em manada todos se espantam dali.
Restam verduras a secarem ao sol, paus, galhos,
Logo mais, estrume e vegetais em decomposição
Fica o chão seco, raso e o som dos ofícios extingue-se.
É hora do almoço. A pique, o sol encanta, e as gargantas
Deliciam-se, finalmente, com o vinho maduro e a água fresca.
É assim, a vida no campo. Domingo, sem descanso.
Um qualquer barulho de motor trespassa a serra,
O arvoredo, as galinhas, a passarada e as ovelhas
Como se de trator, se tratasse, ou moto, ou serra de corte
Bomba de recolher água em poço profundo,
Talvez roçadoura de lâminas afiadas,
Um roncar insistente, uma troada
Que mancha o silêncio e a quietude do apaziguamento
Confinado nestes vales onde até o ladrar de um cão
Nos sobressaltada.
Depressa nos habituamos.
O ronco pára tal como começou
Subitamente.
Já nem nos lembramos que existiu e que nos assustou
Desapareceu, tal como chegou, com a urgência da serra
Antigo serrote movido a combustão de ruidoso propulsor
Que corta a madeira e terminada a função se cala.
A lenha será fogueira e lume
E o barulho crepitar.
A tarde adormece com zumbidos de abelhas
E chocalhos de badalos do gado a recolher aos currais.
Tudo volta ao normal. Há um fumo no palheiro
Tudo o resto é silêncio.
Passa uma vizinha que me saúda, magra como agulha
E fica a noite companheira deste abandono
Debaixo de uma luz mortica, de candeeiro rodeado de asas
De insectos que se aproximam circulando em volta.
O barulho da serra é agora um murmúrio
Alguns pios de pássaros e as copas das árvores em abano
Nada resta do tronitroar.
O ruído precepita-se em cachoeira
Sobre a minha cabeça.
Risos, gritos, sons de televisão,
Escapes de carros, conversas em gestos
E pregões de quem comunica à distância,
Ar soprado artificialmente, vento das eólicas
Chocalhar de copos, garrafas, mais gargalhadas
E bater com os pés no chão, vozes zangadas.
O barulho cresce em arraial
Batem palmas, castanholas, incentivos,
Uma música irrompe como lança
Um jogador conduz ao delírio os epectadores,
Público extasiado, adeptos e claques
Todos os que não resistem em abrir a boca
E, gritar! Gritar! Gritar!
O barulho é um remoinho de insultos
De argumentos, de medicamento
Anestésico, alucinogenico,
Receita para triturar ideias e pensamentos
É no ruído que se avança para a guerra
Para a insurreição e para a morte
É no barulho da batalha que se decide
Os que sobrevivem e os que rebentam
E se estilhaçam.
É no ruído e no truculento badalar da insistencia
Que nos ameaçam e corrompem.
Um matraquear. Um perfurar que penetra
Um demolir.
O barulho é praga, martelo.
E se o questionarmos, se ingenuamente o inquirirmos
Dirão : barulho? Qual barulho? Não tinha reparado.
(estou tão habituado)
Sílabas estridentes saem por entre os dentes
Um tambor rufa, o coração dispara
Há tiros e fogo de artifício no ar.
O barulho só não é insurdecedor, porque já ninguém ouve
O som mistura-se com o ruído o arranhar de unhas
E o batuque pulveriza quem passa, os que se aproximam.
É telúrico e desaba em pandemia colapsando.
Não existem sobreviventes!
Os meus links