E agora agosto
E as touradas (outra vez)
E o maldito calor
E a floresta em chamas
E tudo a morrer de tédio
Porque nada muda
E este calor...
É outra vez agosto
E as pernas das mulheres
Nuas de girassóis,
Em agosto as touradas
E as árvores a arder
E o turismo e isto tudo a rebentar
Num alleluia de tumor.
O serviço terminou.
Ide-vos.
Aqui, não fica ninguém.
Todos somos culpados!
As portas fecham-se,
Depois do cinema,
Vamos comer frango à guia
Ou um gelado, quem sabe?
E agora?
-Agosto!
Tudo fica escuro
E sujo
Sem caminhos
Levadas ou veredas
Com árvores crescidas
Dejetos de animais
Escorraçados
Dos seus habitats
Naturais.
Tudo fica escuro
Porque o tempo se fecha
E criamos sombras
Afogando os pés
Numa lama mole
Que nos suga.
O sol e a luz
Detém-se a alguns metros
De distancia
Por cima, em suspensão,
Não poisando no novelo
Emaranhado e eriçado
De carbonizados restos
Onde, tudo um pouco
Se decompõe e fossiliza.
Penso que tudo acabou.
Sinto telúricos arrepios
Magmas de erupção
Pelas pernas e coxas acima,
Aranhas, gafanhotos,
Pequeníssimos vermes...
Desconheço se possuo
Tronco, cabeça, coração.
Tudo escurece
E uma labareda de mar
Varre as minhas últimas emoções.
Fico.
Tornei-me no tempo que não existe
No objecto que não se vê
Na criação que foi destruída
E no resíduo de mim mesmo.
Ninguém me vira buscar
Salvar, resgatar, socorrer...
Porque não há ninguém.
Já não há ninguém.
Apenas um borbulhar
No escuro de um poço
De que não se conhece
Fundo ou destino.
Noite de trovoada
Relampagos,
Barulhos, alguns pingos de chuva
Noite de avecs
Eles andam aí,
Sorrateiros
Ufanos
De retorno
De ribombar em ribombo
Em estardalhaço,
Volteio, sapateado,
Risomas javalizados
Crus e salgados
Tudo acompanhado
De passaritos saltitantes
Vou ali
Venho num instante.
Avec!
Não pode haver colapso depois de tudo desabado
Se já aconteceu, mais não há.
Então o que fazer?
Colapsar para cima, evaporar, implodir na inversa
-Sim, o mundo anda ao contrário.
É possível, tudo é possível, distópico e real
Ficam os cadáveres - enterrados ao longo dos anos,
Séculos, milénios - à mostra. Destapados.
Os mortos não evaporam, ressuscitam.
A festa vai começar.
O Abacate cresceu no cimo de uma arvore
Tornou-se grande, lizidiu e suculento
Está tão alto, lá no pincaro da ramagem
Que não tenho como ir busca-lo.
Nem escada nem voo de pássaro o podem resgatar
Está feliz longe de todas as mãos humanas
De todos os esfomeados e dos predadores
Está escondido, confundindo-se com a folhagem
Quieto como um gato, envelhecendo com suavidade
O abacate será semente depois de todos desafiar
E não ser colhido. Então, descerá pelos seus meios
(tombando no chão de maduro)
E ali crescerão outros abacateiros e novos abacates
Depois que alguém, com carinho e ternura,
O mude de lugar, pegando-lhe ao colo,
Enraizando-o onde possa crescer até ao sol
E no alto, longe das rapina e das cestas de fruta
Que todos os dias vão para o mercado
Ser abacate, abacateiro, namorado, namoradeiro
A praia, hoje, ao fim da tarde, está ventosa.
É uma praia polvo.
É uma praia que se agarra às rochas
É uma praia que se estilhaça,
Que se deixa inundar de mar e tem caprichos de areias.
Uma praia para nudistas. Uma praia nua.
Do céu caíram pássaros estupidos
Que não sabiam voar
E bocados de avião paralisados no ar
Onde nunca deveriam ter subido
(nunca se vira nada assim,
Sempre os aviões vieram cair ao chão
Quando de repente se imobilizam no ar
Apanhados por "morte súbita"
Ou constipação passageira e da tripulação )
Caíram também bombeiros
E naves amarelas que rebentavam águas
Como se fossem parir barragens,
Enormes cristos em chuva, em estilete
Que se transformavam em bisturis
Armadilhando o mar em pesca de arpão.
Do céu tudo desabou.
Flutuam penas de galinha após o extermínio,
Exitantes em desafiar a gravidade
Balançando sem sucesso em demonstrar vontade.
Em aterrar e cumprir o destino.
Cá em baixo. Lá em baixo.
Os terrenos ficaram inundados de couve-flores.
Nunca houve outro milagre assim.
Sem festa.
Sem festas.
Parecem gatinhos,
Cordeiros,
Cães amestrados,
Burros
A virem comer à mão.
Sem festa na aldeia.
Sem emigrantes,
Sem exibição.
Sem mordomos
Nem donos.
O funeral é agora
Agosto 2020
Faça -se a consagração.
Assine e mande publicar
Sem festas
O ano expirou.
O mordomo
(figura secular do poder)
Morreu.
Vivemos num futuro
Que nem sequer nos é próximo.
Vivemos para o ano,
Ou depois,
Quando for possivel
Talvez!
Um dia destes, algures,
Depois.
O hoje não existe e o amanhã também não
Ambos adiados, porrogados, esquecidos
Não interessa o que fazemos, hoje,
Sonhamos apenas com o depois
E vivemos no virtual do holograma.
Faz algum sentido, isto?
Caracóis,
Amêijoas,
Lambujinhas,
Berbigão,
E rissois de camarão.
A cerveja pago eu.
Um pires, de tremoços
Por favor.
Uns carapaus de escabeche
E torresmos.
Guardanapos e uma amarguinha
Para finalizar.
Nos tempos em que se limpava o balcao
De mármore,
Com um trapo sujo e ninguém usava máscara.
Vai um cheirinho?
Sim, o calor
Aquela temperatura
Que ninguém aguenta
E derrete a pele
E faz o Inverno parecer
Uma coisa boa.
Sim, o calor
E a praia, e o sol,
E o tempo igual
E de volta a casa
O calor
E outra vez o sossego
Do calor que trava
O movimento
E deixa os corpos molhados.
Corro a cortina
O calor morre na penumbra.
A minha rua
Vai mar adentro
Salta ondas
Ou esperguicando-se
Com elas
Vem ter aos meus pés
Que
Dormindo muma prancha
Baloiçam em rede
Entre duas gaivotas
Que sobem e descem
Ao ritmo da maré
E das pequenas algas.
Sao as minhas ferias de verão
No sabor de agosto.
A minha rua
É um barco parado
Espuma e silêncio
Estrada antiga
Poiso velho
Sitio onde sempre estou
E vivo no sabor
De ser meu, este bocado
De mar.
Não trazem nada de novo
Barulhos, voos, sujidade das fezes
E volteios de imbecilidade
Não vejo o que isto tenha de interessante,
De bonito ou de maravilhoso.
Saracoteiam no ar indo e vindo,
Planando, sem destino, anunciando água
Que basta erguer os olhos para descobrir
O mar que lá está. Pousam e levantam
Discutindo sem competição a comida
O espaço, a reprodução
Anunciando que existem, chamando
Ou afugentando como se estivessem sempre sós.
Mal a luz informa que é dia.
Depois escondem-se, até que o sol se acoite
Só voltando a aparvalhar no final da tarde
As mais rebeldes grasnando todo o dia
Como se nunca se cansassem.
Insistindo sempre em anunciar a chegada
Do comboio e das redes de peixe fresco
Que aqui nada se aborrece.
Gaivotas, outra vez.
E num dia claro,
Um touro passeia pela campina
Saboreando a madrugada
Longe de saber que não tem destino
Nem futuro, nem para onde ir
Quando o espaço onde vive acabar.
Um touro,
É um animal demasiado grande
Para sobreviver entre amibas
Crustáceos e formigas.
Um touro limita - se a olhar.
Pode ser que o mar continue lá ao fundo
Pode ser que as ondas se aproximem e se desfaçam
Em branco, em espuma, em novelo,
À beira dos meus pés
Embrulhando os nossos pés.
No areal coberto por um véu de água
Pequenos caranguejos, estrela do mar
E estranhos líquenes que vão e vêm
Com a maré, andam por ali solitários
Ocupados em construir o puzzle do universo.
Pode ser que tudo continue igual e azul
E em redor,cresçam árvores e arbustos verdes,
Flores vermelhas, rosas e lírios, espontâneos lilases
E haja insetos e répteis e borboletas e gaivotas
E até … quem sabe ….
Pessoas continuem a povoar este planeta
Como se nada acontecesse de diferente
Estranho ou incomum, diferente ou inocente.
A humanidade está cheia de mitos
De lendas e de bichos que nunca existiram.
Mundo feito de invisíveis coisas,
Outras, tão imensas …
Que nem se conseguem ver.
Pode ser que a vida continue
E tudo sendo diferente, seja como sempre foi:
Igual, igual, igual, igual...
Adamascado de sentires e sabores.
Coloridos perfumados.
Passeio o corpo na praia enevoado de medos
E... enfeitado com sol, e os temperos do mar.
Abrigo-me
Nos sorrisos que a penumbra oferece.
No sombreado de uma gaivota que passa
Numa fatia de escuro que a falésia projeta
Quando o sol lhe vergasta as costas.
O mar embala o amor só para mim.
Um imenso horizonte de velas e luas espreitam
Na infinita auréola que chega com o entardecer
Abro os braços e agradeço.
Hoje foi dia na praia.
Sim, era um veículo da infancia
Com três rodas.
Rodava à volta da mesa lá de casa
Enquanto durava uma música no radio
Depois era a vez do meu irmão.
Nós crescemos e o triciclo lá ficou esquecido.
Vieram as bicicletas, as vespas, as scooters, as motos,
Os carros movidos a gasolina, gaz, electicidade
As trotinete e os toboggans, os skates, os hoverboard
A inteligência artificial e o andarilho
E nunca mais se falou no triciclo.
Adeus, ó meus amores, quem resta?
Uma Padiola erguida por servicais.
Como sempre viajaram os senhores
Na Madeira, na Europa, no mundo
Numa rede, com varapaus levados em ombros...
Até ao destino, das férias, do casamento,
Do batizado e da procissão final.
Que mais queremos?
-um triciclo para pedalar!
Atrevi-me a sugerir, com voz fraca.
- talvez no próximo natal, ou quando fizeres anos.
Ouvi a minha mãe responder.
Morro em lágrimas
E levo comigo esse triciclo da minha infância.
Zás.
O cano da água rebentou.
Vai um ribeiro pela rua
Levanta - se a calçada
Molha os pés quem ali passa.
Truz.
Desabou! Abriu buraco
Ficou colina e cratera
Vísceras à mostra
Já existem reformados em redor
A comentar, a apreciar.
Zlop!
Escorregou e caiu
Todo o cuidado é pouco
Passa o carro a acelerar
E a água espirra.
Lama, pedras bolinhos quentes
Acabados de fazer
Na pastelaria em frente.
Taruz!
Acabou-se o espetaculo
Chegaram os serviços para a reparação
Foram alertados por satelite
Um enorme buraco no chão
Um mar de escolhos, peixes mortos
Plásticos, lixo a entupir a canalização.
Só de preservativos foi uma camioneta carregada
Comenta-se.
Garrafões, armários, até uma perna decepada.
A normalidade foi reposta
Um mês inteiro de trabalho e a ferida curada
A água corre encanada, subterrânea, sossegada.
A superfície floresce um negócio de leitão assado.
É para comer já? Ou leva embrulhado?
Os meus links