Acordo a pensar que a vida se ausentou
Que saiu para longe e ainda não voltou
Talvez esperando um transporte na madrugada.
Para regressar a casa e ao convívio
Dos que ficaram, dos que resistem,
Dos que envelhecem.
Acordo com a certeza de que sonho
E desfaço a tristeza de um amor ausente
Bebendo a realidade da luz que me abre
Cortinados, persianas e janela.
Não lamento a minha solidão porque sei
Que o mundo é perfeito
E os meus queridos amores estão comigo
Mesmo lá longe onde prenoitam e se escondem.
Os meus amores não morrem, frutificam
São amores para sempre, de longe para sempre.
O que não evita que não tenha saudades.
Fico à espera e nada. Não dizes nada.
Não deveria esperar e ser eu a amar-te
Porque o amor arde na urgência do encontro
E morre no abandono do desespero.
Não morre, alimenta-se, dizem-me!
Pois, alimenta-se de ódio de rancor
De frustração, e então, deixa de ser amor
É putrefacção, doença, loucura de demente
E morre no veneno do seu convencimento.
O amor quer alegria, palavras, beijos,
Sorrisos, lágrimas, porque não?
O amor quer desejos e conversas
Passeios, viagens, ternuras de aconchego
E sem abstracções,
Tudo o que pudermos acrescentar
Até um simples olhar. Uma espera.
O amor é... E pode ser belo!
Estamos sentados numa esplanada.
Nada nos une a não ser uma mesa e duas cadeiras
Um chapéu de sol, que também pode aparar a chuva
E dois copos com sumo de laranja
Já bebidos, vazios e a chocalhar porque a mesa
Precisa de um calço , numa das pernas para não baloiçar.
Estamos sentados a ler um livro,
A olhar para o telemóvel
E nesse alheamento passa um avião a ribombar
E ao mesmo tempo, erguemos os olhos para cima
E descobrimos que não nos conhecemos.
Estamos à tanto tempo ali que nos tornámos estranhos
Somos apenas adereços para turistas verem.
O turno termina. Hoje não há mais aviões
Nem a chegar nem a partir.
Queres que te leve a casa? Pergunto.
Não, obrigado, o meu marido vem-me buscar.
E assim o dia se fecha na paisagem da luz.
Todos os dias nos sacrificamos
Por algo, por uma ideia, por um objetivo.
Para alguém, para alguma coisa
Ou apenas por nós!?
Sinto um oceano, sem fundo
E uma crista de vagas espumosas
Zangadas, turbulentas explodindo em liberdade
Que se transformam em coisas belas
Quando te olho, te penso e te invoco,
Outras, mais ousadas, com arrojo demente
Em sublime estado de perfeição.
Somos a modificação, a exaltação
O jogo dos prazeres e da imaginação.
Somo o travessão que une e separa
A curiosidade e a aprendizagem, a experiência
A Terrivel percussão da nossa exigência
Torna-nos sublime no holocausto do assombro
Onde explodimos em estilhaços de união
(fusão de todos os metais preciosos e imprecisos)
Atraídos pelo íman do universo que nos rodeia
E ao qual nos acoplamos, para, no belo...
Somos vitrais.
Então, esbarrámos com um muro de flores,
Tantas e tão variadas com cores, luz,
Reflexos e tonalidades que o mundo se esmerou
Em deslumbrar, deixando-nos em êxtase,
Sem palavras.
Este era o tempo de outra coisa qualquer
Que não a poesia, ou o conto sagaz,
Do reencontro, do resolver do passado,
Do deslumbramento e da saciedade.
Este era o tempo que foi unindo tempos
Satisfazendo curiosidades, fermentando memórias
Explodindo em eclusas que nos apaziguam o destino
Que se reconstrói sem dor, apenas emergente
Certificando que somos.
Nunca se regressa, nunca se termina, mas tambem
Nunca se esquece!
Sorrateira, como um animal manhoso
Aproximou-se.
Tinham passado muitos anos.
Estava mais velha, mas irradiava beleza
Aquele tipo de beleza que nunca desaparece
Evolui, aperfeiçoa-se, amadurece
Mas continua a existir.
Aproximou-se
Com as cautelas e prudência da experiencia
O corpo em tensão, um cigarro na mão
Os olhos dardejando e pesando perigos
Aproximou-se em arco, dando espaço
Depois sorriu para ganhar confianca
E sem mais cuidados disparou.
Certificou-se que não falhara
E virou costas. Saiu.
Bebeu um pouco de água para serenar...
O barulho do tumulto ficava para trás
Regressou em meia volta e apontando para um dos lados
Exclamou: vai ali!
Foi quanto bastou, todos se precipitaram naquela direcção.
Com a mão enluvada tirou a carteira do cadáver
As chaves e disse-lhe adeus pela última vez.
Depois desapareceu - juram os que foram testemunha-
Que subiu ao céu, na vertical.
Claro, construíram logo ali uma igreja, uma mesquita
E uma sinagoga: há que aproveitar o momento!
Todos beberam um copo
E foram felizes para sempre.
Ah! O cadáver? Foi incinerador rapidamente
Quando as autoridades chegaram já só havia a lenda.
Lá vem um fenicio
Depois outro
Ainda mais outro.
O turismo não acaba
Outro fenicio está a chegar.
O Sul brilha
A sardinha veste-se de cores
O abacate e as laranjas
Pousam nas mesas
Enfeitadas com vinho gasoso
Flores e ervas de cheiro,
Marmelada, doces e manteigas
Que os desportos de inverno
Precisam para se alimentarem
De bons comensais.
Turismo do filete
Do taco de golfe
Da sombra nas arribas.
Mar sem noite
De bebedeiras na piscina
De estrangeiros
Que vem repousar, outros
Para nos conquistar,
Refugiados do silêncio
Na procura de terras mais a norte
De melhor morte.
E os jovens, fenícios de antigamente
Romanos, gauleses, castelhanos,
Para ver os jogos,
Os desafios, as competições,
E o novo ciclo de criar peixe, ostras,
Polvo e algarvios em cativeiro.
Muxama que eu gosto.
Com o Outono regressam as nostalgias
É dos livros, do tempo, do hábito...
E temos a sensação de que perdemos algo
Alguma coisa, qualquer coisa que nos escapou.
Um sorriso, uma oportunidade, um amor impossivel
Uma resposta perfeita, uma viagem adiada...
Uma gargalhada ou uma lágrima.
Perdemos,
Algo que deveríamos ter feito, mas não fizemos
Vá-se lá saber - agora-porquê - ou pior do que isso
O quê ?!?
É apenas uma leve impressão, uma hérnia que incomoda
Um pequeno pormenor, como um acento gráfico
Uma pontuação no texto ou um borrão que tudo mancha
E que pela sua dimensão , nem o percebemos.
Deixemos o outono seguir o seu curso
Curar-nos-emos destes sintomas do espírito.
Ficam, certamente, as cicatrizes, mas,
Viveremos com elas e nas crostas que se formarem
Faremos abrigo e protecção para o Inverno
Que não tardando, também nos pode derrubar.
Somos canavial, junco ou bambu, somos estaca
E cana-de-açúcar, somos a fragilidade do gelo
Quando agulha se apresenta na transição destas duas estações
Para nos testar.
A minha alma não mente. Seja a alma gorgulho
Algodão ou hidrogénio (cavaco de fogueira,
Combustível incendiário ou enzima) seja a alma
Equalizador e régua do carpinteiro, ancinho do jardineiro
Ou o espaço sem medo do funambulismo entre duas escarpas
Que nos mantém agarrados ao louco segredo
Da existência.
Só um louco se lembraria de chamar à existência vida.
São duas horas.
Uma já passou...
É preciso escrever algo.
O tempo foge
Desaparece
Evapora-se.
Olho o relógio...
Já são três.
Enquanto estava diatraido
Outra hora já se foi.
Caneta, teclado,
Ideias, por favor!
Campainha, telefone,
Tudo me impede de começar
Coloco a música mais baixo
Ajeito os cortinados
Endireito o quadro na parede
Que dia é hoje?
É preciso não perder a prioridade
A oportunidade, a delação,
Sinto fome
Vejo o boletim da metereologia
Cruzo as pernas
A mulher que distribui os bolos
Surge-me de repente
À porta da carrinha, e eu não resisto
De ficar a olhar para ela.
Tomo um banho,
Visto-me de lavado
Volta a procurar a escrita
Passando a palavras uma ideia
Absolutamente brilhante,
Original e epica
Que me surgiu no chuveiro,
Mas, la-men-ta-vel-men-te
Esqueci.
Agora já é tarde, já não vale a pena
Escrever.
O carteiro passou. Não trouxe nada
Para mim.
Também não tenho destinatarios
A que mandar livros, cartas
Ou presentes.
Morreram todos com a pandemia
Nada tenho a acrescentar
O noticiário corre sem som
Resumindo o dia.
Depois um filme um bocejo
Afinal quando escrevo?
(bebo uma água com gaz
Alivia-me a digestão,
Embora não tenha jantado)
22, 23...amanha volto a tentar!
O que era para ser hoje, ficou adiado.
Acontece!
Tem de haver prioridades, hierarquia, agenda.
Não se faz hoje, faz-se amanhã.
o problema é se mudamos de ideias,
Se pensamos melhor e desistimos
Se iamos cometer o "erro" que evitado
suspenso,adiado, por um acaso,
Constituiu a nossa "salvação"...
No inverso, foi uma oportunidade perdida
Que não se volta a verificar.
Amanhã todos os astros estarão num alinhamento
Diferente. Passou o momento.
Eu quero lá saber dos astros.
O que não se fez hoje, far-se-á amanhã
Com mais paixão e garra, com vontade,
Entre o hoje e o amanhã vai um zig-zag de tempo
Que o meu tempo não anda em curvas
Ou se deixa convencer por desvios magnéticos
porque eu não "tenho tempo" - ninguém tem!
Eu espero e me faço em cada esquina do hoje
Em todos as avenidas e alamedas do amanhã
Onde se faz a história, o rumo e a vida.
Gostos de me adiar.
Prolongo o acto do que tinha para fazer
para que se estendam os bons oficios
Dos diversos departamentos do meu corpo
Que o hão-de concretizar.
Adiando, prolongo a vida, saboreio a preparação
E vivo aventuras, que nunca imaginei poder viver
Porque espontâneas , de surpresa no espanto
De que é possivel adiar o passado. O contrário, não!
(sim o futuro chega de catrapuz, agarra-nos pelas ilhós
Surra-nos em massacre e não podendo fugir
Acabamos, muitas vezes, morrendo nos seus braços)
O futuro não pode ser adiado
Viver o ontem, fica para amanhã.
O primeiro sinal de alarme
Foi o lixo.
Depois a falta de água num Inverno seco.
Ervas crescidas, plásticos, cartões, papeis
Ausência de tratamento de resíduos.
A sujidade caía do ar para cima dos carros
Que ficavam castanhos, ocres e pretos
Enquanto nas praias azeites de pez
Se misturavam com as areias e as aves mortas.
Todo o mundo estava invadido por refugiados
Pessoas assustadas, bandidos armados.
Fumos, águas a espumar ácidos, ribeiras azuis
Com detergentes e lixivias
A vida selvagem morre enquanto caranguejos
De tenazes envenenadas espalham a tempestade.
Inoculando malignos exorcismos.
Um mosquito torna-se carraça
E ameaça destruir o dinheiro, mesmo o virtual
Cegando e interceptando circuitos
Derramando o medo e próteses de contaminação.
Os jogos pararam. Um lago de cal solidifica.
Flores, frutos e árvores apodreceram com o frio
Um homem gordo vê explodir as tripas
Ao beber um abatanado ao balcão da pastelaria
Um avião desaparece no espaço sem ter caido
Em oceano ou lugar algum da terra.
Nos santuários a mística continua.
Um bando de amputados toma conta do governo
Em cada estado e nação excruciando ranho
Baba e mel os líderes lideram. A receita é letal!
O grande tumor está solto. O cancro generalizado.
Sargetas entupidas, esgotos routos, cérebros inundados
Sangue, puz, petróleo, conchas vazias, gaz entubado
Camiões cisterna com corações incinerados
O pranto é total. Não há regozijo nem regresso.
Eram cinco da tarde, de um dia qualquer
Quando o mundo acabou.
Entre a premonição e a epifania,
Venha vossa excelência escolher.
Estou à disposição.
Se quer saber o futuro vai ter de esperar
Mas anuncio que o Outono está a chegar.
Não é premonição nem epifania
É calendário.
Não é previsão é destino, conclusão,
Consequência das voltas que a nossa cabeça dá.
Passe-me o sal menina,
Não tenho mais nada a observar
Um cafezinho, depois disto, vinha a calhar.
Premonição e fantasia,
Dizem-me que tenho contas para pagar
Acertos a ajustar, saldos e créditos a haver
E despesas a eliminar.
Já a epifania volta não volta está-me a maçar
Com enredos de cabo e novelas de cordel
Já não a posso aturar.
(essência é perfume compreensão do átomo
Iluminação da realidade)
Não as levo a sério, nem elas a mim,
Somos a mentira e o burlesco da comédia
Na representação da vida.
Meus senhores, agora palmas, por favor.
O espetáculo terminou!
Esta noite foi perfeita, porque não existiu.
(joël Dicker)
Perfeitas são as noites que não existem.
Sim, imaculadas, sem tempestade, amores ou insónias.
Noites sem o barulho da discoteca, sem conversas,
Sem chuva no asfalto, sem passeios escorregadios
E luzes de candeeiros acesos que pouco iluminam.
Noites de Verão sem vento e com céus estrelados
Que nos mostram o universo e que temos de ver
E identificar constelações e luas e planetas e auroras
Uma chatice, como diria o meu pai.
Noites perfeitas são aquelas que não existem,
Que nunca aconteceram, que estavam para ser
Mas foram adiadas e depois... Já não se justificam.
Noites perfeitas são aquelas em que dormimos
Sem sonhar.
Como se não estivessemos cá. Como se não existissemos.
Sim, somos a pedra no sapato que torna a existência desconfortável.
De noite e por todas as noites.
De noites que se transformam em dias, em pesadelos
Em arrelias... E nos deixam perturbados, chateados
(volto a repetir)
Porque as noites, todas as noites, se sucedem
Se repetem, se duplicam, se prolonguem e estendem
Depois do razoável, do admissível, do suportável.
Noites perfeitas, são aquelas que não existem.
A mochila não me pesa. Pouco transporto.
Sinto-me leve, com um pouco de fome, apenas,
Mas, posso aguardar. Bebo água num jardim.
Sento-me numa elevação verde que tem um banco
E fico a ver uns miudos que andam por ali
De bicicleta, de skate, de patins.
Fim de tarde.
Amanhã estarei longe ou aqui. Não sei.
Um cão ladra a outro cão e passam atletas
Em corrida, com fatos brilhantes.
Duas mulheres jovens conversam no outro lado do parque.
Alguém fuma um cigarro, chega-me o cheiro,
Outro alguém fala ao telefone esbracejando.
Respiro o ar da tarde não pensando em nada.
Tenho um encontro marcado mais logo
Não sei se irei. Não sei se quero estar presente.
Olho o céu, esperando um presságio , um sinal...
Vem lá chuva, talvez mais logo, certamente,
Mensagem que me ajude a decidir da minha vida: Nada!
Também eu não quero decidir nada.
O melhor é continuar ali e ali ficar até depois
Até que o frio e a noite me expulsem.
A mochila não me pesa. Transporto quase nada.
Também as estátuas em pedra ali dormem
E os patos e os gansos no lago
O taxista na "praça" à entrada do jardim
E já se sentem borboletas noturnas a esvoaçar
O som de grilos,
O silêncio, porque todos já se foram...
Tiro a manta e embrulho-me no banco
Abrigando-me nas estrelas
Confesso os meus pecados e adormeço.
Amanhã tomo posse, hoje é o meu último dia
De liberdade!
Curioso!
Sou um tipo curioso, e no entanto...
Tudo me é indiferente.
Então, onde me fica a curiosidade?
E a interrogação?
E o querer saber mais é ir mais adiante?
Não fica! Dirás.
São apenas impulsos como os da amiba gigante
Que se contorce, faz esgares e coa líquidos, ar
Ou outra coisa qualquer que as ambas façam,
Não quero saber
A minha curiosidade está no ponto zero,
Quando me perguntam - o que fazes aqui?
Encolho os ombros... Já é um bom reflexo,
Quase uma resposta, uma satisfação à curiosidade
E nem penso no motivo da curiosidade
Que desapareceu muito antes de se ter formulado
Como um velcro descartável a que faltou aderência
Curioso, disse ela.
Gosto de ti assim.
Há curiosidades que não se explicam.
Existem semáforos na minha vida.
É assim, não sei explicar, nem quem os colocou lá.
Por vezes obedeço. Outras não! E trangrido.
Existem semáforos na minha vida.
Talvez com a melhor das intenções
Talvez pela melhor das razões.
Eu é que não me sei comportar.
O semáforo diz-me que o mundo que está em meu redor
Se choca entre si, se modifica e se ergue eriçado
Criando erupções constantes, remoinhos, tempestades
E que temos o dever do recolhimento, para nossa proteção.
Outras vezes, informa que o mundo está cordato, pacífico,
Tranquilo e sereno a convida-nos a ousadias breves
Pois nunca sabemos quando volta a estar zangado.
Somos o que nos permitem.
A vaidade é apenas devaneio.
O meu semáforo diz-me que sou um transgressor
E eu, encolho os ombros, indiferente, e brejeiro
Digo-lhe que não tinha reparado,
Que estou surpreendido,
Que vou ser mais respeitador, atento e zeloso.
Deixando a sua existência indiferente
Entre "alertas vermelhos" e "bandeiras azuis"
Nem sempre estamos em sintonia, ignoro imposições
E violo precauções.
Agradeço aos semáforos a informação, são bem-intencionados
É sempre que posso dou-lhes razão, acendo uma vela,
Rezo uma oração.
Como tudo o que é importante sigo adiante
E outros semáforos me convencem a avancar
Ou a recuar, num constante marear
(de aventuras pelo espaço, de amores divertidos,
De segredos escondidos e prazeres com pouco sentido)
Entre a blasfémia e o impropério, o arrependimento
E o regresso ao medo, à ousadia e à hibernação
Porque sou o que se canta e na diversidade se faz.
Porque sou o que não tem sentido, e juízo...
Nem quero ouvir falar.
Chuva e vento (como nunca se viu,
Ou, se se viu, já esquecemos)
Águas mil a fazerem tempestade
Rios a transbordarem dos seus leitos preguiçosos
Depois de um Verão pacífico.
Ondas que varrem o areal trazendo escolhos
Ossos, lixos, alguns cadáveres de afogamentos
Que aconteceram antes, já esquecidos,
Dados como desaparecidos.
O tempo muda e nós (todos nós ) também.
Mudamos, adaptando-nos ao frio que está para chegar
Ao desconforto do vento, aos salpicos da chuva,
No vestir, na forma de encarar o mundo, que sentimos
Estar a mudar.
E muda muito para além do clima: no pensamento
Na ordenação, no cruzar de relacionamentos,
No respirar do que somos, constatando fragilidades,
Imponderáveis, angústias e depressões,
Que nem os sorrisos mais abertos e estridentes
Fazem esquecer.
Estamos condenados!
Mas como por vezes acontece, sobrevivemos,
Resistindo.
Como por vezes acontece ficamos ainda
Mais um bocado,
A acompanhar a mutação que evolui
E os seres que se adaptam.
Do fundo dos tempos, passamos por aqui.
Viajamos empurrados pelo vento, pelas ondas,
Pelo ar e florimos uma e outra vez,
Sempre que a energia nos mantiver capazes
Com sentimentos, activos em movimento,
Porque, neste mundo, nada nasceu e cresce, para estar parado.
Quando me retratarem,
Se estiverem para aí virados,
E não tiverem mais nada que fazer
Façam-me jovem,
Bonito, saudável, façam-me por prazer
Que obrigação não tem motivo
Nem acrescenta prazer.
Ao retrato, que é criação, arte, inspiração
E não precisa de ser a realidade
Que viva da ilusão de que fui actor
Que num momento de paz
E alguma inquietação,
Tomei por apontamento
O que aqui lêm,
O que vêm, o que aqui está.
Hoje, ainda somos os mesmos
Ou já só somos memes?
Ou seremos, outros?
Ou outra coisa, algo, talvez.
Na dúvida, na incerteza,
Vamos devagar...
Disse esta manhã ao acordar
Com o espanto da incerteza
Preocupado por não saber
Se era eu ou outro qualquer
Que despertava na bruma da solidão.
M e smo que não creia, que não acredite
Mesmo que possa ser confundido
Com um meme inventado, ficionado,
Diferente de ontem e do programado.
Serei o que disserem
Um mesmo transviado, desorganizado,
Desprogramado, lançado aos algoritmos
Cercado, acossado, mal tratado,
Desafiado
E quando interrogado recusei concluir
Porque não falo, não me pronuncio
Sobre os outros
E eu não sou ao adormecer o mesmo
Que se levantou ao acordar.
Só um outro mesmo/meme poderia
Responder assim. Sou uma unidade
Evolutiva, logo é meme assim.
Gerir a angústia, a perspetiva
A paz ou a guerra,
Gerir a saudade, o futuro, a realidade
Gerir a fome que só desaparece
Quando se mata,
Gerir a vontade, o desejo, o lume que nos enxameia
O sol que nos abraça e o mar que nos rodeia.
Gerir as lágrimas e os sorrisos
O que pensamos ser
A noite e o dia que trazemos dentro de nós
E nesta contenção de sermos sociais
Termos tempo para ficar e ir
Meditar e lembrar sem esquecer de amar
Que somos a única vida que nos une,
E gratos voltamos a beijar e a percorrer
O caminho dos corpos na torrente da urgência
E da plena ousadia de continuar.
O mundo só acaba depois de amar.
O mundo só acaba depois...
Os meus links